As Faces da Luz


Tatiane Durães
As Faces da Luz

   

Capítulo 1 
Descobertas

A luz do sol inundou meus olhos e senti o cheiro de café recém-coado. Minha janela estava aberta, com a cortina escancarada, a luz do sol estava batendo em metade da minha cama.
— Mãe – resmunguei.
Ela havia aberto a janela em uma tentativa de me acordar. Eu dormi tarde na noite anterior, porque fui cantar em uma festa. Eu e minhas amigas tínhamos uma banda e tocávamos em festas e bailes, as vezes em bares. Fiquei sentada na cama me apoiando com as mãos, ainda sonolenta. Estava ouvindo barulho de roçadeira de grama e algumas marteladas. Dei uma breve espiada pela janela e pude ver minha mãe roçando a grama e arrumando o orquidário.
Olhos negros extremamente cansados me olhavam pelo espelho, olheiras profundas, de quem tinha bebido mais do que deveria e dormido muito pouco, estavam de frente para mim.
— Eu estou horrível – resmunguei.
Desci as escadas devagar quase parando, como dizia minha mãe. As escadas de madeira eram o acesso para a parte inferior da casa, de onde estava vindo o cheiro da minha bebida preferida: café!
Uma xícara e um analgésico deveriam bastar para tirar a dor de cabeça. A ressaca já era outra história, eu teria que passar o dia bebendo água.
— Bom dia, bela adormecida!
Levei um susto com minha mãe que tinha entrando pela porta dos fundos.
— Não grita!
— Desculpe, mas se você não tivesse chegado tão tarde e não tivesse enchido a cara, eu não precisava estar sussurrando agora – ela sussurrava, fazendo careta.
— Desculpe.
Voltei para o andar superior da casa onde ficava minha cama. Mas é claro que minha mãe não ia me dar esse luxo de me deixar dormir mais um pouco. Logo a cortadeira de grama começou a fazer barulho de novo.
Virei para um lado e para o outro, e nada; o barulho continuava. Resolvi me levantar e tomar um banho para tirar a moleza do corpo.

Lá fora o sol brilhava intensamente, era por volta das onze da manhã. Maria já estava com o almoço praticamente pronto, não que eu estivesse com fome, mas o cheiro me dava água na boca.
— Bom dia, menina Tayara.
— Bom dia, Maria. O que temos para o almoço?
— Frango no molho com batatas.
— Maravilha! Vou chamar minha mãe.

Maria era uma mulher encorpada, quase rechonchuda com mãos de fadas para a comida da mesma forma que minha mãe tinha para as plantas. Em tudo que minha mãe colocava a mão, nascia e brotava lindamente, tudo o que a Maria colocava na panela ficava uma delícia, mesmo sendo simples.
— Mãe! - gritei
— Oi querida.
— Almoçar.
Eu não conseguia vê-la, mas podia ouvi-la.
— Vem aqui me ajudar um instante.
— Onde você está?
— Aqui do lado.
Nossa casa ficava em um sítio que foi deixado de herança por meu pai. Ele faleceu antes mesmo de minha mãe saber que estava grávida de mim. E depois dele ela nunca mais se casou, teve alguns namorados, dois para ser exata, mas nunca os trouxe em casa. Ela dizia que nossa casa era nosso santuário e que homem nenhum devia pisar aqui.
O sítio ficava no meio da área de proteção ambiental da Serra do Mar, no estado de São Paulo. Parece que meu pai era um grande admirador da vida selvagem, ele nos deixou uma herança considerável, e também, em testamento fez algumas doações para instituições de proteção ambiental. Ela não falava muito dele, acho que ainda restava algum sentimento em relação ao passado.
— O que você precisa?
— Eu quero colocar esse tronco ali do lado, ele está apodrecendo e preciso tirá-lo daqui.
— Mas, mãe, isso é pesado!
— Vamos, largue mão de ser preguiçosa.
O tronco era realmente pesado e o “ali do lado” dela era pelo menos cinco metros de distância de onde estávamos.
— Você vai encostá-lo aqui, na divisa?
— Sim.
Deixamos o tronco bem na tela que dividia nossa propriedade com a reserva. O território da reserva era grande e a mata era bem fechada. Ela era formada por parte extensa e maciça da Mata Atlântica, sendo uma das áreas mais preservadas de São Paulo e da região Centro-Sul do Brasil, responsável pela diversidade de espécies vegetais e animais ali encontrados, notadamente as que são peculiares a essa região e aquelas ameaçadas de extinção.
— Aqui está bom? – perguntei.
— Está sim.
— O almoço vai esfriar! –Maria gritou.
— Vamos antes que a Maria cozinhe a gente no jantar – eu falei rindo.
Tive a sensação de ter visto algo se mexendo no meio das árvores e olhei mais fixamente para a mata. Dois grandes olhos amarelos me olhavam de volta. Gelei.
— Tayara? – minha mãe chamou.
Olhei para minha mãe e depois de novo para a mata, mas os olhos haviam sumido. Busquei rapidamente aquele olhar, mas nada. Arrepiei-me. Em minha memória apenas os dois redondos e grandes olhos e uma sombra em volta. Acho que havia bebido demais. Voltei para casa e mais tarde, comentei com minha mãe sobre a visão, mas rapidamente me arrependi.
— Você sabe que moramos ao lado de uma reserva, pode ter sido qualquer animal ou então finalmente você está deixando sua mediunidade fluir e o que você viu foi algo que não está mais em nosso mundo material.
Mudei de assunto rapidamente, antes que ela entrasse novamente no assunto de espiritualidade.
— Por que a Maria está congelando a comida?
— Esse é o final de semana de folga dela; ela só volta na terça.
— Maria! Como vou sobreviver sem você?
— Pizza, você adora pizza menina – Maria respondeu rindo.
Maria trabalhava com a gente desde que eu tinha nascido; quando eu era mais nova ela costumava contar histórias sobre fadas, duendes, bruxos e elfos. Eu adorava. Agora eu estava crescida demais para histórias de fantasias.
— Tenho um presente de aniversário atrasado para você, menina Tayara.
— Maria não precisava – meu aniversário de vinte e um anos tinha sido em novembro – sabe que não precisava comprar nada.
— Não comprei, eu mesma fiz.
Ela me estendeu um embrulho simples de palha, dentro havia um cordão de palha dourada com um pingente de pentagrama. Maria também era boa em artesanato.
— Obrigada, é lindo.
Ela sorriu, pegou a bolsa e saiu pela porta da frente. Ela andava cerca de dois quilômetros até a saída da reserva e lá, segundo ela, o marido a aguardava. Nunca deixava que a levássemos e nunca o marido vinha buscá-la na porta de casa.
— Tem apresentação hoje á noite?
— Tenho, quer ir?
— Não obrigada, vou aproveitar para ler.
Eu não gostava de ler, nem de cozinhar, não tinha paciência com artesanatos. Maria até tentou me ensinar a bordar, mas eu não gostava. A única coisa que aprendi bem foi tocar instrumentos musicais e a cantar. Na verdade, meus professores de piano e violão diziam que nunca tinham visto alguém aprender tão rápido como eu.
Às seis horas em ponto, escutei uma buzina de moto e o ronco diminuindo.
— Oi, Tayara.
— Oi, André.
André era um amigo querido, que nos ajudava com a parte dos instrumentos e ele também era DJ.
— Está linda.
— Obrigada – eu havia colocado um coturno, um short jeans e uma blusinha branca, eu estava bem simples.
Logo o carro prata da Vanessa apontou na estrada de terra. Elas chegaram fazendo barulho como sempre. Minha mãe sempre dizia que elas espantavam os animais. Enquanto elas desciam do carro, passei rapidamente os olhos pela reserva novamente procurando qualquer sinal dos olhos amarelos, mas eles não estavam mais lá. Comecei a pensar que realmente estivesse me abrindo para a espiritualidade como dizia minha mãe.
— Vamos logo, estou louca para uma noitada.
— Rafaela, se eu tiver mais uma noitada, pode ter certeza que minha mãe me expulsa de casa.
— Expulsa nada – ela riu fazendo careta.
Rafaela era loira e linda, tinha corpo de modelo, cabelos lisos e sedosos que iam até o meio das costas, com lindos olhos verdes. André a acompanhou com os olhos sem ela dar a ele a menor atenção. Vanessa era ruiva tingida e baixa como eu, porém ela fazia academia, então tinha músculos ao invés de gordura e também tinha olhos verdes. Claudia era loira de cabelos cacheados, tinha uma estatura mediana e olhos castanhos. Passamos o restinho da tarde discutindo sobre o repertório e logo decidimos manter o mesmo da última festa.
Íamos nos apresentar em um baile em uma cidade próxima, ia ser um baile à fantasia. Escolhemos fantasias de bruxas para entrarmos na bagunça.
Nosso repertório de apresentação tinha um pouco de tudo e sempre deixávamos espaço para aquelas pessoas que queriam pedir suas músicas preferidas. Tocávamos desde Ana Carolina até Christina Aguilera. Eu amava cantar, era uma das coisas que me faziam feliz.
Após a apresentação, começava a nossa diversão.
Naquela noite rimos muito, bebemos, exceto Vanessa que era correta demais para beber álcool e depois dirigir, dançamos e conhecemos muitos rapazes. Como sempre eu não me interessava por ninguém e elas ficavam discutindo que eu era lésbica ou chata, sem graça e que eu deveria aproveitar. Mas não conseguia beijar por beijar, ainda esperava uma pessoa especial. Eu sempre fui do tipo de romântica incorrigível. Já tive namorados, não era uma menina boba, mas nunca havia me apaixonado de verdade por ninguém.
Já eram mais de cinco da madrugada e eu não estava aguentando mais. Felizmente um rapaz bêbado derrubou cerveja no vestido da Vanessa e ela ficou extremamente irritada e resolveu ir embora.
— Obrigada meninas, a noite foi ótima.
— Tayara, cuidado! Não gosto dessa mata – disse Vanessa que nunca gostou muito da reserva, pois era muito escura a noite.
Dei um sorriso tranquilizador para ela.
— Ok! Mas entre logo.
— Tudo bem meninas, podem ir.
Enquanto Vanessa virava o carro, ela deu uma última buzinada e foram embora. Respirei fundo e entrei. Não acreditava que apesar de ter somente três amigas, elas eram incríveis. Claro tinha o André também que era meu amigo, mas eu achava que ele estava com a gente, não exatamente pela amizade, eu desconfiava que ele gostasse da Rafa. Olhei para cima, ainda na área de fora, e vi um vaga-lume.
— Nossa! Faz tempo que não vejo um... tão grande – ele era maior do que eu me lembrava. A luz era verde e quando acendia eu podia ver suas asas. Ele era grande mesmo! Fiquei uns dois minutos olhando ele voar, até que ele sumiu na mata e eu resolvi entrar também.
Vamos dormir, acho que bebi demais!

Havia sonhado algo estranho à noite. Algo que me dava uma sensação estranha no peito, uma dor, um aperto, como se fosse um aviso. Nunca gostei de sextos sentidos, pois eu tinha medo de acontecer algo de ruim com pessoas que eu amava. Tinha uma vaga lembrança de ter no meu sonho um homem grande e acho que ele estava correndo atrás de mim.
— Você sabe que não controla os sonhos, você deve ter visto alguém na festa ontem e ficou com isso na cabeça – minha mãe disse sorrindo.
Não adiantava tentar discutir, minha mãe, assim como minhas amigas, também achava estranho eu com vinte anos nas costas ainda não ter arrumado um namorado, ou pelo menos um amante, nem sou do tipo estudiosa para ter a desculpa dos estudos.
Estávamos tirando as ervas daninha da horta.
— Você fica falando tanto na sensação de estar sendo observada que agora até eu estou sentindo – ela olhou ao redor e voltou a se concentrar na horta.
A sensação aumentava e eu começava a ficar assustada, mas de dia ficava difícil alguém ficar olhando e não vermos. Minha mãe tinha essas sensibilidades maiores do que as minhas. Ela via e ouvia coisa que eu não ouvia e também não queria ouvir. A tal história de espiritualidade. Mas de repente os olhos amarelos estavam lá novamente e eu paralisei de medo. Eu tinha a sensação de que eles podiam ver minha alma, algo além do que eu via todos os dias no espelho. Eu não conseguia desviar o olhar, eram de uma cor extraordinária, quanto mais eu olhava mais pareciam castanhos, mais pareciam olhos humanos.
— Mãe, olha lá.
Ela se virou e os olhos desapareceram.
— Você está vendo coisas – ela riu.
— Não tô vendo coisas, eles estavam lá.
— Tayara, saia do sol, por favor, minha filha.
Resolvi entrar e deixá-la sozinha lá fora, mas fiquei na sacada do meu quarto observando a reserva. Eu não queria que aquele animal a pegasse, seja ele quem fosse. E se ele viesse para o nosso lado o que eu iria fazer?
Respirei fundo. Nada! Talvez correr, gritar ou ligar para a emergência.
Um jipe se aproximou e me tirou do meu devaneio de ser devorada por um animal grande e feroz. Era o guarda florestal, Eduardo. Ele sempre dava uma passada aqui aos domingos, conversava um pouco com minha mãe, sorria simpático para mim, tomava um café e ia embora. Eu tinha a nítida sensação que ele era afim da minha mãe, mas não tinha coragem de falar.
Ele desceu do jipe e eu o vi conversando seriamente, sem sorrisos dessa vez até para ela. Desci as escadas rapidamente enquanto os dois entravam.
— Mas você acha que ele pode atacar?
— Não sei Sonia, mas é bom manter distância das grades por enquanto.
— Do que estamos falando? – perguntei.
— De um lobo que foi visto na reserva. – Eduardo respondeu sério.
— Um lobo? Que interessante! – eu ri irônica para minha mãe.
— O que? – ele percebeu.
— Ela disse que viu olhos amarelos na mata.
— Então é mais um motivo para que vocês duas tomem o máximo de cuidado.
Ele tomou o café como sempre, interrogou minha mãe a respeito das orquídeas, é claro, assim ele conseguia o máximo da atenção dela.
O orquidário era um hobby para ela, já que não precisava trabalhar, pois recebia uma pensão gorda pelo falecimento do meu pai. Mesmo assim, ela às vezes acabava cedendo e vendendo algumas mudas das orquídeas, para pessoas que assim como ela eram apaixonadas pela flor.
No finalzinho da tarde, Eduardo já tinha ido embora. O jantar ia ser repetição do almoço de ontem que a Maria tinha deixado pronto, já que nenhuma pizzaria queria entregar por causa do boato do lobo na reserva. A minha sorte é que pelo menos batata frita eu sabia fazer, ou fritar já que ela estava congelada.
Depois do jantar um bom banho quente e cama. Meu quarto dá para frente da casa e o da minha mãe para o fundo. Tínhamos mais dois quartos reservados para visitas, mas nem sempre eram ocupados, só quando minhas amigas decidiam passar o final de semana em casa. Na parte de baixo tinha um quarto pequeno que Maria ocupava durante os dias em que ficava em casa. Tínhamos tentado convencê-la de que poderia ficar em um quarto de cima, que era bem maior e mais confortável, mas ela havia se recusado.
Da minha cama eu conseguia ver uma boa parte da estrada de terra que ia para a rodovia e também era a estrada que chegava aqui e uma boa parte da reserva. A escuridão tomava conta da parte de fora, pouco eu conseguia enxergar. Algo se mexeu entre as árvores que fez os pássaros voarem. Pássaros dormem à noite, mas algo os assustou.
Levantei da cama e fiquei com o nariz encostado no vidro da janela da sacada, olhando fixamente para as árvores. Nada se mexeu, esperei mais um pouco, algo brilhou intensamente no meio do meu quintal. Uma luz verde fluorescente estava voando em várias direções. De repente várias luzes começaram a se movimentar e se aproximar cada vez mais da casa.
Vagalumes!
Enormes e brilhantes vagalumes estavam voando, bem na frente da minha janela. Abri o vidro e saí na sacada. Eram lindos.
— Mãe? Está acordada? – gritei do meu quarto.
— Estou.
— Venha aqui, por favor.
Ela entrou no quarto e ficou parada na porta, alguns vagalumes haviam adentrado o meu quarto, já que o vidro não os impedia.
— O que é isso?
— Não faço ideia.
Ficamos pelo menos uma hora olhando os vagalumes, devagar eles foram saindo do quarto e adentrando a mata. Por volta da meia noite eu consegui pegar no sono.
Em meus sonhos eu estava voando com asas de vagalumes e brilhando intensamente enquanto um lobo me perseguia no chão.
Abri os olhos que estavam doloridos, pois eu havia dormido pouco, mas alguma coisa tinha me acordado. Uma sensação estranha. Abri a janela e descobri porque meus olhos estavam doloridos, estava de manhã e tudo estava coberto de neblina. Não dava para enxergar nem minha sacada que estava bem a minha frente. Mas uma coisa eu pude ver: minha mãe estava com uma blusa amarelo ovo lá embaixo, mexendo nas roseiras.
Vesti o primeiro casaco que vi dentro do guarda-roupa e desci as escadas. Por que ela havia levantado tão cedo?
— Mãe?
— Oi, querida.
— Por que se levantou tão cedo?
— Cedo? Que horas você pensa que são?
— Não sei.
— São quase onze horas da manhã, Tayara.
— Mas... e por quê toda essa neblina?
— Não sei.
Entrei dentro de casa e me arrepiei, como se algo tivesse passado atrás de mim. Olhei para trás rapidamente e não havia nada na sala. Fui para a cozinha imaginando que eu teria que descongelar o café, mas para minha surpresa o café estava feito.
Resmunguei algo que nem eu mesma entendi. Peguei uma xícara, e um vento frio abriu a porta da cozinha que dava acesso ao orquidário na parte de trás da casa. A porta é de madeira, antes tinha uma de vidro, mas fiz minha mãe mudar, pois tinha medo de vir na cozinha de madrugada. O vento derrubou um vaso que quebrou esparramando água e flores pelo chão.
Me Abaixei para pegar os cacos, quando um vulto passou rapidamente pela sala. Paralisei!
— Mãe?
Silêncio.
Respirei fundo e me levantei, fui até o fundo pegar uma sacola e voltei. Quando entrei na casa, escutei um rosnado.
— Não temos cachorros – disse em voz alta como se fosse uma anotação mental.
Arrependi-me rapidamente, voltei a me paralisar. Os olhos castanhos amarelados estavam me olhando, me analisando, como se pensasse: Qual parte como primeiro?
Pelos longos e marrons que balançavam com o vento frio que entrava pela porta da cozinha ainda aberta atrás de mim, rabo balançando de um lado para o outro e dentes à mostra: O lobo!
Senti minha mãe ao meu lado, graças a Deus ela tinha entrado pela porta dos fundos e não pela da sala. Nós duas não sabíamos o que fazer, eu estava pensando seriamente em correr, mas eu tinha a sensação de que não ia adiantar. Ele deu um passo para frente e inconscientemente eu dei um para trás, arrastando minha mãe junto. Sentia minhas pernas tremendo de medo. Eu nunca tinha visto um lobo pessoalmente até aquele momento, mas esse lobo era enorme. Ele em quatro patas era mais alto do que eu.
Ele rosnou e andou novamente para frente, eu tremi e andei para trás. Senti minha mãe tremendo. Ele começou a andar lentamente em nossa direção e não tínhamos outra opção a não ser andar para trás, para fora da casa.
A neblina continuava espessa, mal conseguia distinguir a grade em volta de nossa propriedade. Mas o enorme lobo, esse era fácil de ver. Os olhos castanhos amarelados, cor de mel, pareciam que brilhavam diante de nós.
Uma luz azul começou a brilhar na reserva e o lobo a olhou. Nesse instante eu pensei em correr, mas minha mãe estacou no lugar olhando a pequena luz azul brilhar cada vez mais forte ficar cada vez maior. O lobo me olhou novamente e depois para a luz. Fez esse movimento algumas vezes e eu franzi a testa.
— Você está querendo que a gente vá para a luz? – perguntei meio incrédula e me sentindo uma tola de perguntar algo para um lobo.
Ele ficou me olhando sério e deu um passo para a luz, minha mãe que não tirava os olhos da luz que agora estava extremamente brilhante, começou vagarosamente andar.
Puta merda!
E agora? Eu fico? Ou eu vou? Olhei novamente para o lobo que estava sentado me observando. Droga!
— Mãe, não sei o que você está fazendo, é melhor voltarmos.
Nada, ela não parava de andar e eu a segui, não podia deixá-la sozinha. E se esse lobo resolvesse atacar? Nós duas iríamos morrer.
— Mãe, vamos voltar!
Peguei em sua mão que estava suada e fria, mas ela não me respondeu. Parou em frente à luz que brilhava do lado de dentro da cerca e não mais na reserva. O lobo atrás de mim rosnou mansinho, como quem indica para continuar caminhando e ela seguiu e adentrou a luz, mas não saiu.
Olhei em volta, em pânico.
O lobo me olhou novamente e entrou na luz também, mas antes fez sinal com a cabeça. Era para eu entrar!
Meu sonho se tornava real, lembrando-me da floresta, do lobo, tudo como se eu já tivesse vivido aquilo, só faltava o homem. O lobo finalmente parou e, para minha maior surpresa, um homem estava lá. Minha mãe finalmente saiu do transe.
— Onde estamos? – ela perguntou assustada, olhando o homem e o lobo, voltando ao homem e depois a mim.
— Não faço a menor ideia – eu disse baixo demais, acho que ela não ouviu.
Nós havíamos atravessado a luz azul brilhante e não estávamos na reserva; olhei para trás e minha casa não estava lá, apenas árvores extremamente grandes nos cercavam. Aquilo era um portal!
— Meu nome é Aodh, não vou lhes machucar nem causar mal algum.
Loiro, com cabelos extremamente lisos na altura dos ombros, a parte de cima presa e somente a parte de baixo solta, olhos azuis como o céu e alto. Nunca vi tanta beleza em uma só pessoa, ele era perfeito, pele lisa, corpo escultural, voz encantadora. As roupas não ornavam muito, as calças pareciam de couro e camisa branca de mangas longas parecia de algodão, simples, botas pretas e as orelhas pontudas. Orelhas pontudas?
Ele sorriu.
— Onde estamos? – foi a única coisa que consegui perguntar diante de tal beleza e um lobo muito maior do que eu imaginava ser um lobo, ao lado de um homem magnífico, em uma floresta que eu sabia não era mais aquela ao lado de casa.
— Em Arcantatys – ele sorriu novamente.
Nossa! Que sorriso lindo, grande, daqueles que fazem você derreter.
— Não vou machucá-las, Ariosto as trouxe aqui a nosso pedido.
Ariosto pelo visto era o nome do lobo. A nosso pedido? Com um lobo grande dessa forma ao lado, ele provavelmente não precisava temer nada e nem pedir.
— Venham! Se me acompanharem, logo vão entender o que está acontecendo – e foi andando.
Não tínhamos muita escolha já que o lobo Ariosto resolveu rosnar, quando eu quis virar e sair correndo na direção contrária que o deus grego loiro andava. Eu pensava: meu Deus nos proteja, por que se ele for um assassino, estamos fritas.
A floresta era magnífica, com árvores grandes e que tinham um espaçamento incrível entre os troncos e suas copas se uniam no alto, como um telhado natural, uma proteção para o chão e seres que ali andassem. Tinham orquídeas grudadas em seus troncos, floridas davam um contraste incrível naquele verde todo. No chão não havia mato espalhado, apenas folhas secas. Olhando para o lobo, percebi que não era comum, eu nunca havia visto um lobo pessoalmente na vida, mas ele era muito grande, praticamente do tamanho do homem e o deus grego era... hum... parecia um elfo de filmes do tipo Senhor dos Anéis. Mas essas coisas não existem! Existem?
O deus grego que eu não me lembrava do nome de tanto medo, na realidade eu não me lembrava de nada mais, olhou para trás, sobre o ombro de uma forma estranha, como se me reprovasse. Andamos pouco e logo ele parou, olhou para frente como quem procura algo, mas não havia nada ali, apenas mais árvores. Como num passe de mágica apareceu uma aldeia, o deus grego loiro ergueu o braço e aquela aldeia inteira se materializou bem na nossa frente.
— Vamos! – disse ele, fazendo sinal para que fôssemos à frente.
Atravessávamos a aldeia, não sei bem o que era aquilo tudo, mas era grande, tinha umas cinquenta casas de madeira, pareciam casas de campo. Na aldeia - foi como resolvi chamar aquele lugar - havia mais pessoas como o loiro bonitão, de beleza extrema, olhos azuis, cabelos lisos e sedosos, orelhas pontudas, corpos esculturais e altos. Se bem que perto de mim, e meus um metro e meio de altura, não era de se duvidar que até um anão fosse maior
— Essa é nossa aldeia, ou o que restou dela – ele disse apontando para as pessoas e casas em nossa frente.
Todos olhavam para nós com curiosidade e pelo jeito todos sabiam que estranhas iriam chegar, todos estavam para fora de suas casas, tinha muitas crianças, bebês, jovens, velhos. Mais à frente eu pude ver uma horta bem grande com inúmeras verduras. Eu ainda tinha certeza de que devia ser um sonho ou que o lobo havia nos devorado e que estávamos mortas.
— Onde exatamente você disse que estamos? – minha mãe resolveu perguntar.
Eu, agarrada ao braço dela, minhas pernas querendo correr e ao mesmo tempo trêmula.
— Em Arcantatys ou no mundo mágico, como seu povo chama. Eu chamo de lar, acompanhem-me, vou levá-las ao rei Cedric ele poderá explicar melhor.
Havia um sobrado em nossa frente, muito maior do que as outras casas. Era majestosa e imponente, realmente uma casa de reis e rainhas. Havia sido construída um pouco afastada do chão, tinha uma escada de três degraus. Quando subimos as escadas demos de frente com uma porta dupla de madeira escura com escrituras entalhadas. Eu parei por um momento para observá-las.
Por dentro era ainda mais linda, sempre tive um fraco por casas de madeiras, mas aquilo ia além da minha imaginação. Olhei para minha mãe e tive certeza de que ela também pensava assim, pela expressão e a boca aberta. Nós duas nos entreolhamos com a certeza de que aquilo era real, pois sentíamos o cheiro da mata, das árvores, da madeira da casa ou castelo; não sabia como chamar aquela casa. Os móveis eram simples, mas extremamente bonitos, confortáveis, com aquele ar de castelo medieval, mas nada de armaduras nas paredes nem retratos de reis antigos, apenas tapetes majestosos no chão, vermelhos, azuis e verdes, alguns com tons mais escuros de acordo com o ambiente. Havia um corredor enorme, parecia que atravessava a casa por inteiro, havia flores e pedaços de troncos, de formas diferentes, fazendo a decoração.
— Havia quadros de reis anteriores ao rei Cedric, mas na guerra eles foram destruídos – como se adivinhasse o que eu estava pensando o deus grego se virou para nos encarar. — Esperem um momento, vou ver se o rei pode recebê-las.
Ficamos esperando em um tipo de antessala, charmosa, um cheiro floral tomava conta do ar, havia um banco comprido no canto, resolvi sentar, já estava com as pernas falhando. Antes que eu pudesse descansar realmente o que precisava, o deus grego loiro voltou.
— O Rei Cedric vai recebê-las agora – falou gesticulando para dentro do outro cômodo.
Quando entramos, fiquei pasma, parecia um daqueles salões de filme de viking, mas sem aquele monte de cabeças de animais empalhados nas paredes, havia uma mesa retangular de madeira, realmente grande, no centro do cômodo, com muitas cadeiras a sua volta. Nas paredes havia muitos vasos de flores – ou aquilo eram jardineiras? – agora sabia de onde vinha aquele perfume floral que estava sentindo. No teto, havia milhares de candelabros com velas. Eram grandes e pareciam ser feitos de cristais e ouro. Pequenas janelas redondas mais acima faziam o ambiente acolhedor e aconchegante.
Parado perto da mesa estava um homem, mais bem vestido, com roupas que pareciam ser bem costuradas e confortáveis. Ele usava uma camisa branca com botões na frente, de manga longa, um tipo de colete ou, sobretudo, só que sem mangas, comprido e preto, calças pretas e botas. Estava usando uma espécie de joia na cabeça, não era uma coroa por que era menor do que as que eu tinha visto em filmes medievais e ficava na testa e ao redor da cabeça. Ele aparentava ser mais velho que o deus grego que nos recebeu na floresta – como era o nome dele mesmo? – mas de beleza igual, com barbas por fazer, leves marcas de expressões nos olhos, cabelos curtos e grisalhos. Com um sorriso amigável e com pose convidativa, ele fez sinal que nos aproximássemos.
— Bem vindas à nossa humilde aldeia. Meu nome é Cedric, sou rei dos elfos – ele olhou para mim e depois para minha mãe. – Sonia, não precisa se assustar estamos te observando faz tempo, desde que descobrimos que nossa raça se expandiu há muito tempo em seu mundo mortal.
Ele olhava carinhosamente para minha mãe, sorrindo como um sol que aparece depois de um longo período de chuva. Minha mãe estava séria, com os olhos arregalados para o elfo em nossa frente e eu com medo; nós duas segurávamos a mão uma da outra.
— Você é herdeira de uma linhagem real de elfos há muito tempo extinta.
— Hã? – nós duas perguntamos juntas.
— Existe uma lenda ou uma história em que há muitos séculos  um príncipe elfo se aventurou em seu mundo, se apaixonando por uma mortal, eles tiveram filhos e como esses filhos nunca vieram para o nosso mundo, seus dons e suas verdadeiras origens ficaram ocultos. Em uma busca que realizamos recentemente, encontramos você, logo percebemos sua origem, sentimos as luzes e a força dos elfos. Conseguimos sentir sua alma... os elfos tem luz em suas almas, que só outros elfos conseguem sentir.
Ele parou e analisou por um instante minha mãe. Seus olhos estavam brilhando e refletindo alegria viva.
— Há muitos anos enfrentamos guerra com bruxos e feiticeiros que querem tomar nossa luz, governar nosso mundo, fazendo todas as criaturas que aqui vivem seus escravos. Outras criaturas noturnas vêm se juntando a eles, chegamos a um ponto nesta incessante luta contra as trevas que perdemos muitos elfos e infelizmente minha amada rainha – parou por instantes, respirando fundo continuou a contar - a rainha Almira foi uma grande companheira e uma grande líder, era compreensiva e uma ótima conselheira – sorriu dizendo as últimas palavras e eu percebi que ele sentia uma falta terrível dela, devia tê-la amado muito em vida.
— Sinto muito por sua perda, mas ainda não compreendo – disse minha mãe.
Retraí-me, sentindo medo de tudo aquilo.
— Você, amável Sônia, é herdeira de uma linhagem real de elfos que já não existe, um povo perdido, que sem ter quem governar se perdeu pelo nosso mundo. Você estando aqui conosco da esperança de que esse povo volte e se una com meu povo – ele de repente me olhou, senti um frio na barriga – Agora em sua filha, não conseguimos sentir a nossa luz, não acho que ela tenha herdado a linhagem élfica, mas ela tem magia, não sei distinguir qual.
Eu era mágica, mas ele não sabia como e minha mãe agora era rainha dos elfos? Senti que era muita informação junta e comecei a me atordoar, meu estômago revirava e doía, sentia que ia vomitar. De repente minha visão escureceu e não vi mais nada.

Achei que fosse o medo! Medo de morrer, de ver minha mãe morrer, de nunca mais ver minhas amigas; o que seria aquilo tudo? Minha cabeça girava e eu não entendia, pois eu sentia uma curiosidade enorme por ver mais e escutar mais, não sabia o porquê de eu estar na escuridão. Será que era noite e eles não tinham luzes? Mas tinha alguém comigo, eu podia sentir alguém na escuridão e não era minha mãe. Era com certeza uma mulher, podia ver sua silhueta, usava um vestido comprido, tinha cabelos compridos na altura da cintura. Ela vinha ao meu encontro, comecei a sentir medo de novo e o medo me travava no lugar. Não conseguia me mexer e comecei a sentir calor como se estivesse em pleno sol do meio-dia. Ela se aproximou com um sorriso na face, que me fazia tremer, ela tinha olhos verdes e cabelos ruivos ondulados, pele branca, com várias cicatrizes visíveis pela face e pelo colo, ela me olhou, eu olhei de volta e tive a nítida sensação de que eu não estava na aldeia.
— Não tenha medo de mim, eu estou te esperando há muito tempo. – ela sorria.
— Me esperando? – indaguei em pensamento, mas ela ouviu.
— Esperando, pois somos uma. – ao dizer essas palavras notei que ela não mexia os lábios, a voz estava em minha mente que começou a doer – O processo de junção estará completo em pouco tempo, não resista àquilo que você é.
Então a moça ruiva desapareceu.

Consegui abrir os olhos e ver luz, me sentia pesada, como se todo esse tempo eu estivesse leve demais por faltar algo dentro de mim. Achei que tivesse vomitado, mas olhando ao lado percebi que não, ou limparam tudo enquanto eu estava desacordada.
Eu estava em uma cama pequena, grande para ser de solteiro e menor que uma cama de casal. Lençol branco e macio e travesseiros fofos.
Respirei fundo e fitei o teto. O que havia acontecido? Lembrava-me de me sentir fraca e com o estômago revirando, agora estava com uma tremenda dor de cabeça. Lembrei-me do sonho, da moça ruiva que vi e do que ela falou, mas não fazia sentido algum. Eu não sabia quem ela era e por que ela estava me esperando. Mas o rei Cedric havia dito que eu tinha magia, não como minha mãe, mas tinha alguma coisa.
— Meu amor – minha mãe entrou no quarto com um ar de alívio misturado com preocupação – como você está se sentindo?
— Pesada e com dor de cabeça.
— Você desmaiou, o rei e os guardas trouxeram você para este quarto.
— Quanto tempo eu fiquei desacordada?
— Quase vinte quatro horas. Não tenho certeza, pois não tem relógio por aqui.
— Um dia inteiro? – sentei-me na cama e senti uma pontada na cabeça.
Contei a ela do sonho, ela disse que achava que eu havia ficado impressionada com tudo o que estava acontecendo.
— Eles são elfos, aqueles dos contos de fadas – ela me contou rindo, como se estivesse ficando louca.
— Eu notei. Notei também que eles acham que você deve governar um povo perdido.
Disse com medo da reação dela e com medo de tudo ser verdade. O que ia acontecer com nossa casa? Com nossos amigos? Pensei com carinho em Vanessa, em André e o no Eduardo, o guarda florestal. O que aconteceria quando eles não nos achassem? A casa tinha ficado toda aberta, e Maria? Se eu fiquei desacordada por quase um dia, então hoje é segunda-feira e amanhã Maria chegará em casa, o que vai acontecer quando ela não nos achar?
Fiquei alguns segundos imaginando Maria chorando com nosso desaparecimento, depois chamando a polícia, os guardas florestais dando buscas na reserva e sem achar nada, chegarem à conclusão que havíamos sido mortas pelo tal lobo que rodeava a região, ainda mais porque com certeza Ariosto – o lobo – deve ter deixado marcas de patas no chão da casa ao entrar. E no final, nossa casa sendo doada a alguma instituição de proteção ao meio ambiente, como alguns advogados já haviam tentado e até o momento não tinham conseguido.
— O rei Cedric parece estar falando sério – ela disse com um ar pensativo, deu uma pausa – Será que vamos acordar a qualquer momento? Durante o dia de ontem, enquanto você dormia, ele me mostrou a aldeia, contou histórias sobre seu povo, sobre a luta. Ele é um homem muito honrado.
— Não sei não mãe, essa dor de cabeça não parece ser sonho, e eu acho que é real e estamos presas aqui, se elfos realmente existem e eles são isso, imagino que eles devam ser como nos contos de fadas, realmente criaturas de honra – olhei para ela com vontade de chorar, mas precisei me conter, afinal não queria que ela também despencasse a chorar; e a dor de cabeça agora estava ficando mais fraca.
Levantei-me da cama, me sentindo melhor depois de dormir tanto. Ouvi alguém bater na porta, minha mãe pediu que entrasse. Era uma elfa linda, com cabelos loiros e cacheados, usava um vestido azul claro.
— O rei Cedric as aguarda no salão principal – ela disse olhando-nos com curiosidade.
Lá vamos nós de novo à loucura.
Ela nos guiou até o salão principal, chegando lá tive a certeza de que eu estava em um filme da Idade Média. Agora sim tinha armaduras medievais encostadas nas paredes e eu tinha uma ligeira impressão que se mexiam. Acompanhava-nos com a cabeça. Eu devia estar ficando louca.
— Menina Tayara se sente melhor? – o rei Cedric tinha uma voz grossa e bondosa.
¬ — Sim, obrigada majestade – aquilo saiu automaticamente, como se fosse natural eu chamar alguém de majestade, mas não era, fiz uma careta estranhando a situação.
— Muito bem, conseguimos contato com um rebelde que era do reino Lamounier, o reino do qual são herdeiras – era a primeira vez que ele me incluía nessa história de herança – e o que te aconteceu menina Tayara?
— Me senti mal, com dor no estômago e fraqueza, depois tudo ficou escuro e não me lembro de mais nada – respondi com dúvida se contava sobre o sonho.
Ouvi alguém bater na porta e entrar, era o deus grego, apesar da beleza de todos naquele lugar, ele tirava meu fôlego e fazia minhas pernas tremerem.
— Majestade, o senhor pediu para me chamar?
— Sim Aodh.
Então Aodh era o nome dele? Hum...
— Peça para os lobos patrulharem a área, conseguimos contato com alguns elfos do reino de Lamounier e avisamos que são bem-vindos, espero que apareçam logo e não quero surpresas.
Pedir para os lobos? Como se pede algo para lobos?
— Sim, majestade.
Ele fez uma profunda reverência e saiu sem nem me olhar. Talvez minha presença não fosse notada por ele, talvez ele fosse casado. Quem sabe?
— Vamos mostrar um pouco da aldeia para sua filha? – o rei sorria.
Minha mãe sorriu de orelha a orelha, e se virou para mim.
— Está com fome? – ela me perguntou.
— Hum... na verdade não.
— Então vamos dar uma volta, quem sabe o ar fresco lhe faça bem.
Ela saiu andando à frente com o rei Cedric e eu pude ver que usava um vestido verde claro, solto e sem mangas, mas com tecidos esvoaçantes. Eu ainda estava com a roupa do dia anterior; tênis, moletom e uma blusa rosa claro que foi a primeira que achei no guarda-roupa.
Meu coração começou a bater mais forte quando saímos da casa grande, a parte de fora, que seria no mundo normal o quintal da casa, era magnífico. A aldeia pelo que eu conseguia ver ficava no meio da mata. Muitas árvores faziam uma cobertura natural com suas copas altas e os raios de sol passavam pelos pequenos espaços formando fechos de luzes, que tornavam o lugar muito mais mágico.
Nos troncos das árvores havia flores coloridas, como orquídeas, flores que nasciam pregadas ali. Mas, sem dúvida, o que mais chamava a atenção naquele lugar era os moradores.
Seres loiros e altos, todos com olhos claros, rostos perfeitamente desenhados. Eu parei por um instante e fique observando a magia do lugar, era algo quase tocável.
— Tayara? - saí do devaneio com minha mãe me chamando.
O rei Cedric era realmente um anfitrião perfeito, me mostrou tudo o que havia mostrado a minha mãe no dia anterior. A imensa horta, que eu havia visto quando tínhamos chegado, me levou ao pomar, onde pude provar as frutas direto das árvores, eles tinham uma grande estrutura de sobrevivência. Mostrou-nos as casas de madeira, onde cada casa pertencia a uma família. Todos nos olhavam ainda com curiosidade, mas de uma maneira muito simpática nos sorriam quando passávamos. Mostrou-nos a criação de porcos e galinhas, me mostrou a linha tênue que cobria a aldeia, disse que era uma barreira de proteção, impedia que outros seres achassem a aldeia e a adentrassem.
A noite começou a chegar e voltamos para dentro da casa grande. Ao salão que tínhamos visto quando chegamos aquele com a grande mesa, que agora estava repleta de comida.
Nós jantamos em silêncio. Confesso que tive alguma dificuldade, pois o porco estava inteiro em cima da mesa, só faltava uma maçã na boca para parecer um desenho animado. Aodh estava com a gente na mesa e também não proferiu uma palavra durante o jantar. Mais ou menos na metade do jantar o rei Cedric começou a perguntar sobre a patrulha dos lobos.
— Não tem nada com o que se preocupar majestade, está tudo calmo.
— Essa calmaria me preocupa, meu amigo.
O rei Cedric sorria carinhosamente para minha mãe e às vezes para mim, mas Aodh se mantinha rígido na mesa. As vezes eu arriscava olhá-lo, ele mantinha os olhos no prato e apenas olhava para o rei quando esse falava com ele. Com ele sentado à mesa eu pude olhá-lo com mais atenção, sua face tinha contornos perfeitos e a barba começava a nascer, seus cabelos pareciam ser macios e sedosos e tive vontade de tocá-los. Ele estremeceu.
Uma elfa muito bonita que sorria gentilmente me acompanhou até o quarto onde eu tinha acordado, encheu uma banheira para que eu pudesse me lavar, me deu algumas roupas limpas e saiu.
Tomei um banho rápido vesti a roupa e deitei na cama, antes que eu pudesse pensar o sono me pegou e eu apaguei.

Não sonhei nada a noite, e o dia estava começando a clarear quando eu acordei, da minha janela pude ver o nascer do sol. A temperatura nesse lugar era perfeita, eu não sentia frio, mesmo estando com um vestido sem mangas. Pude ver também vários elfos andando pela aldeia, alguns iam em direção à horta, outros para os animais. Imaginei que as tarefas exigiam que eles acordassem cedo, como em um sítio onde se tem criação de animais.
Ouvi uma batida de leve na porta, pelo visto eu não era a única que tinha acordado cedo.
— Entre.
Minha mãe entrou no quarto sorrindo.
— Bom dia.
— Acordou cedo também, é?
— Acho que é um despertador natural, já tomou café da manhã?
— Não.
— Então acho que vamos tomar juntas lá no salão com o rei.
Mas quando íamos sair, duas elfas entraram no quarto, cada uma com uma bandeja na mão com várias frutas e pão. Uma delas era a mesma que tinha me ajudado com o banho no dia anterior.
— O rei Cedric está ajudando os guerreiros e já vem buscá-las.
Elas saíram e nós começamos a comer. Não demorou muito e uma elfa voltou e disse que iria nos acompanhar até o salão. Eu ainda não tinha decorado exatamente esse caminho, mas algo já fazia sentido e eu tinha começado a me sentir bem.
A mesa estava repleta de comida novamente, mas dessa vez nenhum porco a vista. Aodh já estava no salão com o rei e mais alguns elfos. Todos menos Aodh e o rei saíram quando chegamos, pelo visto estavam conversando algo sério.
— Bom dia rei Cedric, Aodh – minha mãe já se sentia perfeitamente confortável.
Eu corei e sorri. Eu ainda me sentia desconfortável.
— Mais tarde teremos uma união em nosso povo e gostaria que vocês assistissem.
— Seria uma honra – minha mãe se sentou bem ao lado do rei.
Eu sentei um pouco distante de todos. Aodh continuava rígido como no dia anterior. Qual será que era o problema dele? De repente, como quem sabia que eu estava pensando, ele levantou os olhos na mesa e me olhou diretamente, sem nem disfarçar, eu corei de vergonha, sorri envergonhada e baixei os olhos.
— Imagino que vocês duas já comeram.
— Sim.
— Desculpe-me, eu estava conversando sobre batalhas com os guerreiros e não queria que esse assunto às chateasse.
— Majestade! Os preparativos para a união vão começar, achei que devia avisar vossa Alteza, já que gosta de participar – a elfa que tinha me levado comida entrou no salão.
— Claro, obrigado, Jaclyn.
— Com licença, majestade. – Aodh se levantou e saiu com a elfa do salão.
Eu ainda olhava discretamente para Aodh que nem se dava mais ao trabalho de me olhar de volta.
— Aodh é nosso maior guerreiro, responsável pelas nossas vitorias e pela nossa sobrevivência até os dias de hoje e – pausa – elfos tem esse efeito sobre humanas – ele riu.
Acho que corei na hora, pois me senti quente.
— Vamos lá para fora, vamos ter uma união hoje, o que no seu mundo vocês chamam de casamento, estou certo?
— Certo, majestade. – minha mãe respondeu, sorrindo para ele e esse sorriso era carinhoso. Hum!
Eu tinha a impressão de ter perdido algo, não algo material, mas alguma informação. Quando saímos na aldeia minha respiração parou. Tinha flores para todos os lados, de todas as cores imagináveis, formando cordões, ligando uma árvore a outra e o perfume era divino.
Um elfo se aproximou do rei Cedric, fez uma reverência e quando olhou para mim sorrindo, olhou para baixo. Senti-me uma anã, eu com meu um metro e meio de altura, ri comigo mesma me olhando, cabelos castanhos e lisos, olhos negros e tão branca que, as vezes, fico cor-de-rosa. Minha mãe e eu éramos bastante parecidas, a diferença era que recentemente ela havia pintado os cabelos de loiro e cortado curto, mas nós éramos da mesma altura e o corpo praticamente igual.
— Nossas comemorações de união são bem parecidas com a do mundo de vocês, na verdade o casamento dos mortais surgiu de nossa união – fazendo gesto para que o acompanhássemos na caminhada pela aldeia – mas aqui não existe como se chama mesmo? Quando se separam?
— Divórcio.
— Sim aqui não temos o divórcio, respeitamos a união para toda a vida e nossa vida é longa se comparada a de vocês, somos quase imortais.
— Quase? – perguntei olhando para ele.
— Quase, pois podemos ser mortos, mas nossa vida dura mais de mil anos.
Nossa!
Voltei a reparar nas orelhas, eram pontudas e isso me intrigava, eram mesmo como as de elfos de filmes, havia algumas elfas com os cabelos presos com flores, com tranças muito alinhadas e bem feitas, outras com rabo de cavalo e com flores presas por toda a parte do cabelo, então as orelhas estavam à mostra.
— A união será entre nosso jovem Abud, um guerreiro formidável e uma jovem incrível, nossa pequena Abella – o rei parecia contente com a união.
Ele apontou um jovem bonito, esguio, que parecia nervoso, estava bem arrumado, próximo ao que me parecia ser um altar.
Olhei ao lado e encontrei o olhar do Aodh, ele nos olhava sério, com os olhos semicerrados, com um ar de desconfiado, acho que ele não aprovava nossa presença em algo tão sagrado como o casamento deles. O rei pareceu perceber e continuou a nos levar por um passeio pela aldeia.
— Nós éramos um povo muito fértil, éramos um reino grande e forte, hoje somos apenas em torno de cem – continuava a andar – infelizmente a guerra cobra um preço muito alto, foi por isso que decidimos não interferir nos problemas mortais.
Passeávamos novamente pela aldeia, vendo os trabalhos das elfas e dos elfos a arrumarem o lugar para a união. Dessa vez na horta, as elfas arrancavam os matos que nasciam entre as verduras e hortaliças.
— As plantas medicinais são cultivadas separadamente, próximas à casa de Absalom.
Depois do passeio pela aldeia, voltamos à casa grande e ficamos em um quarto, esperando a hora da união, eles marcavam as horas pelo sol, pelas flores e como aquele lugar tinha flores! Ouvi uma batida leve na porta.
— Pode entrar.
Entram duas elfas com bandejas com comida, parecia uma sopa verde. Estava soltando fumaça e tinha um pão muito bonito do lado. Depois de comermos eu estava satisfeita, e minha mãe tinha parado de comer; fomos olhar as roupas.
Eram vestidos!
As elfas voltaram, eu nem tinha percebido que elas haviam saído do quarto, elas fizeram uma reverência e abriram uma porta que tinha na lateral do quarto. - Reverência? – voltaram e disseram que podíamos nos lavar e nos vestir; logo o rei Cedric iria nos chamar.
Minha mãe entrou e quando terminou, as elfas voltaram, trocaram a água e eu fui me lavar. A água estava quentinha, confortável e o cheiro floral que aquele lugar todo exalava era divino. Os vestidos eram lindos! O da minha mãe era azul claro e o meu amarelo. Eu não tinha muitas roupas amarelas, na verdade não tinha muitas roupas coloridas.
— Pode entrar – ouvi minha mãe dizer.
— O rei Cedric solicita suas presenças – uma elfa disse, apontando para que saíssemos do quarto e a seguíssemos, afinal a casa ou castelo era bem grande.

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