A Chama da Esperança - Parte I - A Princesa Renegada



M.V. Garcia
 A Chama da Esperança - Parte I - A Princesa Renegada



PRÓLOGO

Esta história se passa na terra de Yuan, no Reino de Willford, e em seus arredores, no território que vai desde as planícies de Ghennas até as montanhas de Val Lyra, onde se estabeleceu a República.
No tempo da forma como é contado em Yuan, esta história começa no ano 715 d.A.D. (depois do Advento dos Deuses).
O Advento dos Deuses foi um evento que marcou para sempre toda a história de Yuan. Conta-se que, no início, o mundo de Yuan era um reino descampado onde humanos viviam de modo selvagem, sem conhecimento, e não eram muito diferentes dos outros animais.
Então um dia, o deus do Sol, Yu Shang, e a deusa da Lua, Minna Yu, desceram até a terra de Yuan, onde se apaixonaram. Felizes por finalmente terem encontrado um lugar comum onde podiam se encontrar, eles abençoaram o povo de Yuan com o conhecimento (de Yu Shang) e a escolha (de Minna Yu). Disso se criou um ditado famoso em Yuan, “De nada adianta o conhecimento se não se tem o poder de escolha”.
Dizem ainda que foi da união de descendentes de Yu Shang e Minna Yu com humanos que surgiram os primeiros feiticeiros. Humanos com aparência comum, mas capazes de usar magia, baseada em 5 elementos – fogo, água, terra, ar, e trovão. Isso desde o início gerou a inveja, medo, e desprezo dos humanos. Os feiticeiros, então, se isolaram, fundando pequenas comunidades espalhadas ao longo de Yuan.
No Reino de Willford, as comunidades de feiticeiros se concentravam nas montanhas rochosas que cercavam o reino, em pequenos vilarejos. Apesar de nunca antes ter declarado uma guerra aberta contra os feiticeiros, o governo de Willford era claramente contra a presença dos mesmos ali. A família real, Seres, que estava no poder desde a fundação do reino, era composta apenas de humanos. E a entrada de feiticeiros na capital, Alzoria, não era permitida.
Mas isso foi até 715 d.A.D., no vilarejo de Mitill, quando o então jovem futuro rei, príncipe Albert Seres, conheceu a jovem feiticeira – e futura rainha de Willford – Rosaria. O que parecia, na ocasião, o simples encontro de um jovem casal, seria um fato que mudaria pra sempre a história.


CAPÍTULO 1 – FUGA


Ano 722 d.A.D. Sete anos depois.
A noite estava fria e pesada. O céu estava arroxeado, com nuvens densas cor de chumbo. Os gritos, de guerra dos soldados, ou do desespero das vítimas, podiam se ouvir ao longe. Os ruídos da guerra eram a única coisa que quebrava o silêncio mortal dos caminhos rochosos, mal iluminados por algumas poucas tochas que cercavam a trilha.
No meio da trilha escura, corria isolada uma única pessoa. Usava um enorme manto que cobria todo o corpo, inclusive o rosto. Somado isso à escuridão da noite, era quase impossível reconhecê-la.
Sob o manto, era possível perceber que a pessoa carregava alguma coisa. Havia um volume à sua frente, que ela parecia carregar com muito cuidado, firmemente aos seus braços, apesar de correr desesperadamente, tanto quanto seu fôlego permitia.
– Corram, a Rainha está ali! Atrás dela!
– Tsc. – A figura encapuzada olhou na direção dos gritos e viu um grupo de soldados na colina adiante. Eram soldados de Willford, humanos; usavam armaduras pesadas de bronze com o símbolo real, uma coroa de ramos de trigo, gravados no elmo e no escudo.
– Que ironia ser atacada pela minha própria tropa. – Cochichou para si mesma.
– Maldita feiticeira, peguem-na! – Gritou o que parecia ser o líder, e os demais saltaram a colina na direção da mulher.
Mas ela não se sobressaltou. Ficou parada onde estava. “Se eu fugir... Não há para onde correr. Não há outro caminho. Não posso voltar à Alzoria de jeito nenhum, o único jeito é continuar em frente.” Pensou.
Os soldados se aproximavam, de espadas em punho. A pessoa encapuzada, ainda parada, apenas ergueu a mão direita. Isso foi o suficiente para alguns dos soldados recuarem. – Não, esperem! – Gritaram aos que continuaram em frente.
– Faya mit khur no yamur. – Um enorme círculo de fogo surgiu em torno dos soldados, assim que a mulher terminou de dizer tais palavras. Presos dentro do círculo, os soldados apenas viram de relance quando a mulher passou por eles e fugiu, seguindo em frente pela trilha escura.
– Droga! – Gritou o que parecia ser o capitão. – Maldita Rosaria!


“Pra alguém que não usa magia a 7 anos, não estou tão enferrujada”, pensou Rosaria, ainda correndo, saindo das trilhas rochosas e entrando numa densa floresta em frente. “Aqui deve ser a floresta de Albur. Se eu continuar em frente... devo chegar aos limites de Willford em breve.”
Vendo que parecia estar numa distância segura, Rosaria se sentou ao tronco de uma árvore. Tirou o capuz, revelando os longuíssimos cabelos loiros cor de palha, e os olhos vermelhos vivos, como dois rubis. Dizia-se entre os feiticeiros de Fogo que quem nascia com olhos vermelhos possuía um imenso poder.
– Acalme-se, já vou tirar você daí. – Ouviu-se um leve choro de criança. Rosaria abriu o manto que a cobria, revelando o lindo vestido que usava (um longo azul celeste com luxuosos detalhes de renda branca, uma vestimenta digna de uma rainha) e mostrando um pequeno embrulho de pano, a carga que ela vinha carregando com tanto cuidado desde que iniciara sua fuga de Willford.
O choro vinha dali. Rosaria abriu com cuidado o embrulho, revelando uma linda criancinha de bochechas rosadas, cabelos muito loiros e finos e olhinhos tão vermelhos e vivos como os da mãe.
–  Minha pequena Kaira – Disse Rosaria num tom triste. – Você é a prova de que feiticeiros e humanos podem sim, conviver juntos. Por que tudo isso está acontecendo?... Albert, queria que você estivesse aqui.
Kaira fitou os olhos da mãe com seus olhinhos curiosos. Era ainda muito pequena pra entender por que feiticeiros e humanos se odiavam, por que estavam em guerra, por que sua mãe tinha sido deposta do poder e por que agora mãe e filha estavam sendo perseguidas. Por isso, apenas sorriu enquanto Rosaria tentava em vão entender o que estava acontecendo. Diante do sorriso inocente da filha, não pode deixar de sorrir também.
–... Tem razão, Kaira. O que temos que fazer agora é fugir daqui. Tenho que cuidar de você. Você é a minha última “esperança”.
Dito isto, levantou-se. As pernas cansadas de tanto correr agora mal se aguentavam em pé. Mas Rosaria ignorou a dor e recomeçou a andar, agora com mais calma do que antes. Já haviam conseguido sair da capital; agora, com sorte, em 2 dias chegariam à Hirlogen Hill, cidade limite dos territórios de Willford, e a partir dali estariam fora do reino.
O que havia adiante eram as planícies desertas – e consideradas inabitáveis – de Ghennas. Um território deserto, infestado de monstros e feras selvagens. O que havia além dele era um mistério. Ninguém nunca atravessou antes e voltou para contar. Mas agora nada disso importava. O que importava era mãe e filha saírem vivas de Willford, e conseguir começar uma nova vida em algum outro lugar distante.


CAPÍTULO 2 – FALCÕES NEGROS


O dia começava a amanhecer. O céu arroxeado começava a mudar para tons fracos de rosa e alguns poucos raios de sol ousavam aparecer. Na floresta de Albur, porém, encoberta por enormes árvores de copas altas e volumosas, tudo ainda parecia escuro como se fosse noite.
Rosaria continuava firme em sua caminhada. Desde quando chegou à floresta, havia andado durante aproximadamente cinco horas. Os pés latejavam, e durante um dos poucos momentos em que parou para descansar um pouco, viu que eles estavam inchados e avermelhados e um deles sangrava; havia se ferido quando atravessou um pequeno riacho com pedras escorregadias. Kaira começou a chorar, pois estava com fome. Rosaria parou durante alguns poucos minutos para amamentá-la; isso, aliás, lembrou-a de como ela mesma estava morrendo de fome. Mas, comparado à dor dos pés e das pernas, isso era até suportável.
Rosaria finalmente chegou numa parte mais aberta da floresta, com árvores de menor porte e alguns arbustos pequenos. Viu a claridade do sol e se sentiu revigorada só de poder sentir novamente a luz em seu rosto. Kaira também pareceu gostar, pois se debatia alegremente nos braços da mãe, os raios de sol iluminando o pequeno rostinho rosado.
Havia ainda ali um pequeno córrego onde Rosaria parou para servir água a filha. Depois de beber um pouco também, e de lavar os pés, na tentativa de que estes doessem menos, levantou-se novamente. – Como está se sentindo agora, pequena Kaira? – Disse a mãe, sorridente.
– É mesmo uma belíssima criança – Disse de repente uma voz desconhecida.
Rosaria sentiu o coração congelar. Olhou para os lados, tentando ver de onde vinha a voz. Tinham sido descobertas?
– Quem está aí?
– Não se assuste, minha cara – Voltou a dizer a voz desconhecida. – Somos feiticeiros, assim como Sua Majestade.
Rosaria parou de respirar. Olhou para trás e para os lados – e viu, em cada lado que olhou, um vulto diferente. Quatro vultos, no total. Não havia pra onde correr.
Estava cercada.
– Como eu disse, não há porque se preocupar. – O dono da voz misteriosa estava logo à frente de Rosaria, o rosto encoberto por um manto. Era uma voz fria e imponente. – Somos feiticeiros como vós... Sua Majestade, e sua pequena filha. – E ergueu as duas mãos, como se quisesse pegar Kaira.
– NÃO ouse tocar nela! – Gritou Rosaria, agarrando a filha nos braços mais fortemente do que nunca. Olhou as outras pessoas a seu redor. Todos usavam o mesmo manto prateado, com um brasão no peito.
– Vocês – Disse Rosaria, com uma voz mortificada – são os Falcões Negros?!
–  Os quatro líderes do grupo, sim, somos nós. Na verdade, eu sou o líder – Disse o encapuzado. – Os outros são meus subordinados diretos. São meu trio de confiança. Infelizmente, ainda não podemos revelar-lhe nossas identidades. Juntos, fundamos este grupo – E ergueu as mãos como se dirigisse a uma enorme platéia. – Os Falcões Negros, os salvadores da ordem, aqueles que estão fazendo a justiça depois de centenas de anos e anos de opressão por parte daqueles seres inferiores que se intitulam “humanos”.
–  Fazendo a justiça...?! – Os olhos de Rosaria brilhavam de raiva. – Foram vocês que começaram a guerra... Vocês mataram milhares de humanos inocentes!...E graças aos seus atos, milhares de feiticeiros inocentes, incluindo os da cidade onde nasci, foram culpados pelos atos que vocês fizeram, e foram atacados... E em troca atacaram de volta, começando esta guerra. Mas como são minoria, esta já é uma batalha perdida!!!... Graças a vocês, um decreto foi feito e todos os feiticeiros foram declarados expulsos de Willford!! Os que não conseguem fugir estão sendo massacrados!...
O líder encapuzado parecia ouvi-la com a mais absoluta calma. Os outros também, a exemplo do líder, não tomaram qualquer atitude. Rosaria continuava a esbravejar.
– E eu... Eu também fui expulsa... Meu segredo foi descoberto... – As lágrimas escorriam pelo rosto, misturadas ao calor da raiva. – Não me importa, podiam me expulsar se quisessem, mas minha filha... Ela não tem culpa de nada... Ela é só um bebê... Fui eu que menti, eu fingi ser humana, para poder ficar ao lado de Albert...
– Você teve que se passar por humana durante 7 anos para que a Família Real permitisse seu casamento com o já finado Rei Albert – Disse o líder, a voz com o mesmo tom frio e impassível. – Não é um absurdo? A família Seres reina há anos no poder deixando os feiticeiros às margens da sociedade. Já é hora de mudar isso. Graças aos Falcões Negros, os feiticeiros finalmente chegarão ao poder...
– Os feiticeiros estão sendo mortos – Gritou Rosaria. – Vocês parecem não se importar com as comunidades de feiticeiros civis que estão aniquiladas pelas tropas humanas em Willford...
– Nós oferecemos ajuda... À aqueles que aderem a nossa causa – Disse o líder secamente. – Não podemos fazer nada por aqueles que aceitam o regime de opressão dos humanos. Aliás... É isso que viemos oferecer a Sua Majestade. A liberdade de escolha.
Rosaria engoliu a fala. Oferecer? O que o grupo terrorista que deu início à guerra entre humanos e feiticeiros, levando ao decreto que depôs Rosaria de seu trono, fazendo ela e sua filha serem perseguidas até a morte pelas tropas reais, tinha a lhe oferecer?
– Torne-se nossa aliada – Disse o líder em tom cordial, esticando a mão direita. – Una-se a nós, e retomaremos o poder juntos.
Choque.
Ouviu-se apenas o barulho do vento a seguir. A floresta foi tomada por um silêncio mortal.
Por dentro, Rosaria sentiu o sangue congelar, e então efervescer. Cada nervo do seu corpo tremia, vibrando de ódio. Estava tão nervosa que não conseguia falar. Apenas ofegava.
Haviam quatro deles ali. Os quatro líderes dos Falcões Negros. Dizia-se que eram os mais poderosos feiticeiros jamais vistos. Um deles, diziam, conseguia colocar toda uma vila em chamas apenas com um estalar de dedos.
Não era possível sair viva.
No entanto, não podia se aliar com aqueles que atiçaram a guerra, destruíram sua cidade natal, e mataram milhares de inocentes. Mas temia por sua filha. O que faria? Não podia deixá-la sozinha.
–  Já se decidiu, sua Majestade?... – Perguntou o líder, com a frieza que parecia vir de um iceberg. Sua postura e altivez, somado ao manto prateado, e ao pouco que podia se ver de seu rosto – um queixo pontiagudo e fino, e uma pele pálida feito mármore – faziam-no parecer uma estátua.
–...Meu...nome...- Rosaria quebrou o silêncio, começando a murmurar. Com muito cuidado, deitou a filha calmamente no solo, e pôs a mão no peito. Só então pode-se perceber que trazia presa ao pescoço, uma finíssima gargantilha dourada, que segurava uma pequena pedra vermelha, escondida sob os babados do decote do vestido. Rosaria puxou-a, pressionando a pedra fortemente sobre o peito.
– Meu nome....é Rosaria Velmont von Seres – Um forte brilho vermelho começou a sair de sua mão que segurava a pedra – ...E eu nunca vou me unir a vocês!!!...
Ouviu-se um ruído enorme e gigantescas labaredas emergiram do chão, cercando Rosaria e a filha. Kaira ficou evolta em uma espécie de cápsula de fogo, onde parecia estar protegida.
– Fogo...fogo!!! Queime... Queime!!!... – Disse um dos subordinados encapuzados, com uma voz doentia. Parecia a voz de um louco. – Mais e mais!!! Vamos queimar tudo!!!...
–  Eu já imaginava... Neste caso não tenho escolha a não ser cumprir as ordens de nosso benfeitor – Disse o líder encapuzado com um sorriso diabólico. – Você vai morrer aqui. Junto com sua filha.
– Não me importo de morrer aqui. Mas minha filha... jamais tocarão nela!!! – E dizendo isso mais uma labareda imensa emergiu do chão, desta vez na direção de Kaira; o escudo de fogo apenas reluziu em contato com as chamas, deixando a criança intacta.
– Um escudo de fogo, hum – Disse o líder com um sorriso afiado. – É uma boa magia defensiva. Mas ele irá desaparecer assim que o feiticeiro que o criou morrer... Ou seja, assim que a matarmos.
– Não se eu matá-lo antes – Gritou Rosaria, mas sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
– Acha mesmo que tem chance contra nós quatro? – O líder não pôde deixar de dar uma risadinha, mostrando uma fila de dentes brancos, tão brancos quanto sua pele de mármore. – Você além de nunca ter entrado num campo de batalha, ficou também sem usar magia durante 7 anos. O que lhe dá tanta confiança?
Rosaria engoliu em seco, olhando para a filha, que dormia tranquilamente dentro da cápsula de fogo. Sentiu a confiança voltar, ao olhar no semblante sereno de Kaira, e apertou novamente contra o peito o misterioso pingente.
– Um trunfo...que carrego comigo, desde criança – Olhou fixamente para o ser encapuzado, com os olhos vermelhos faiscantes.
– Já chega disso – Rebateu o líder, finalmente mostrando um pouco de temperamento na voz. – Acabem com ela. Agora.
O subordinado com voz de maníaco soltou uma alta gargalhada e foi o primeiro a avançar. – Morra...morra!!!...
E com as duas mãos, disparou dezenas de bolas de fogo. Em seguida, o subordinado da esquerda – pela silhueta, parecia ser uma mulher – saltou para cima de Rosaria e invocou um enorme ciclone de água. O terceiro permaneceu imóvel – mas conjurou uma magia numa língua ininteligível, e uma chuva de trovões começou a cair dos céus na direção de Rosaria. Os três ataques vinham ao mesmo tempo. Não havia tempo de correr.
Tudo aconteceu muito rápido.
Num instante Rosaria se viu cercada pelos três ataques, e no instante seguinte, uma luz enorme surgiu a sua volta, uma luz vermelha intensa. Uma explosão surgiu do corpo de Rosaria, anulando os ataques e jogando os três subordinados longe.
– Mas...que diabos é isso?....!!!
A pequena pedra agora flutuava próximo ao rosto de Rosaria. Era dela que vinha aquela luz vermelha enorme.
– Uma Pedra....Elementar?? – Sussurrou o líder, agora parecendo horrorizado.
–... Uma Pedra Elementar....Kaira wor Rekshi – Murmurou Rosaria, com o rosto lívido, parecendo tão surpresa quanto seus inimigos.
–... A Chama da Esperança – Traduziu o líder, levantando-se, pois também havia sido arremessado para longe. Limpou o rosto, sujo de sangue, pois se ferira levemente com a explosão. – Então você tem uma das Pedras Elementares. Acha que isso vai adiantar?!! Somos os Falcões Negros!!! Você sozinha não tem chance alguma contra nós!!
Um a um, os três subordinados se levantaram. Só pareciam ter leves arranhões e uma ou outra ferida pouco mais profunda. Mas, certamente, estavam com ainda mais raiva que antes.
Rosaria olhou novamente para Kaira. A menina ainda dormia profundamente.
– Kaira, não sei se pode me ouvir – Rosaria sussurrou, timidamente – Mas acho que essa é a última vez que iremos nos ver.
– Mulher... queime, queime até morrer!!! – Disse a voz de maníaco, desta vez ainda mais assustadora, pois parecia transbordar de ódio; disparou desta vez não dezenas, mas centenas de fagulhas, que acertaram Rosaria em cheio. O impacto das fagulhas a arremessou com força de costas contra uma árvore, a uns dois metros de altura; após ser jogada com força, seu corpo cedeu e caiu no chão.
Sentiu uma das costelas quebrarem, e seu tronco se contorceu de dor.
Levantou-se, com dificuldade, encarando-os. Os Falcões Negros a encararam com visível espanto; Rosaria sofreu o impacto do golpe, mas sua pele estava intacta. Não havia sinal de queimaduras.
– Hum... Isso é interessante. Arkis, acho que você não será muito útil aqui. – Apontou o líder. – Você é imune ao fogo, não é?
– Eu lhe disse que carregava um trunfo – Disse Rosaria em tom de ameaça; a dor que sentia, no entanto, era intensa.
– Não importa – Frisou o Líder. – Vocês, ataquem!
Os outros dois atacaram simultaneamente, com toda a força. O que supostamente era uma mulher invocou uma enorme onda de água, que arrastou tudo num raio de cinco metros em volta da direção de Rosaria; a rainha foi novamente arremessada para longe, e cuspiu uma bola de sangue; a mulher saltou para uma árvore, ficando longe das águas; então, o outro subordinado aproximou-se, e gerou a sua volta uma enorme explosão de raios. Os raios foram conduzidos pela água na direção de Rosaria, que foi atingida em cheio pela corrente elétrica.
A corrente de água então desapareceu, deixando apenas Rosaria deitada na grama. Seu corpo estava coberto de sangue. Rosaria podia sentir o cheiro – e a dor – da própria carne queimada pelos raios. Podia também sentir o gosto do sangue, e a vista ficou embaçada.
“Eu vou morrer”, pensou.
– Sua vida acaba aqui. E a da sua filha também – Exaltou o líder encapuzado, vindo na direção de Rosaria.
A rainha olhou, pela última vez, para a sua pequena filha.
“Kaira...adeus.”
E, com alguma dificuldade, agarrou firmemente a pequena pedra vermelha com as duas mãos, parecendo fazer uma oração.
–...Kyo...soem...iorana.... – Começou a sussurrar, com imensa dificuldade.
– Adeus...Rosaria Velmont von Seres – disse o líder, erguendo uma mão sobre Rosaria, invocando um círculo de luz negro.
–...yoshin....hyoe...kazen – Outra enorme luz surgiu da pedra de Rosaria, desta vez, uma enorme luz branca. Um vento forte surgiu, jogando para longe o manto do líder misterioso.
– Mas... o quê?
– Não posso... vencê-los – Sussurrou Rosaria, o mais alto que podia. – Eu morrerei aqui. Mas vocês...não matarão...minha filha.
–  O encanto de selamento!...- Gritou o subordinado que, realmente, pela voz, era uma mulher. – Ela vai nos selar!....
–  O quê!!! Maldita!!! Morra!!! Mooooorra!!!!....O quê??!!.... – Gritou o maníaco que, horrorizado, viu que seu corpo começava a desaparecer. O mesmo acontecia com os outros três.
Aos poucos, seus corpos pareceram se tornar poeira, em meio à imensa luz branca; e sumiram no espaço.
–...O encanto do selamento – Disse o líder, depois de um longo silêncio. –...Sabe que isso não irá nos deter pra sempre. Nós voltaremos.
– Eu... sei – Murmurou Rosaria, mas com uma expressão firme. – Mas haverá... esperança. Eu sei disso. Estou dando a minha vida... hoje, aqui, por isso.
–  Hunf. – O líder, de pele branca e fria – e olhos transparentes como o vidro, como Rosaria agora podia ver, ainda que vagamente, com a visão embaçada e em meio a imensidão da luz branca – sorriu-lhe discretamente.
– Esperança... veremos.
E o sorriso cruel se transformou em uma fina poeira, e também desapareceu no espaço.


CAPÍTULO 3 – A REPÚBLICA


Ano 737 d.A.D.
Quinze anos se passaram desde que a Grande Guerra de Willford, como ficou conhecida, chegou a seu fim.
Mesmo depois de tanto tempo, os motivos que levaram ao fim da guerra ainda eram nebulosos. Ninguém nunca soube o que aconteceu com os Falcões Negros. Porque os principais causadores da guerra pararam de agir de repente? Para onde foram? Isto ainda era uma incógnita – e dividia os historiadores, responsáveis pela difícil missão de registrar a história em livros e pergaminhos, em várias correntes de pensamentos, cada qual com uma conclusão diferente a respeito.
Mas o principal resultado da guerra foi, sem dúvida, a conquista dos feiticeiros de terem fundado seu próprio país. Expulsos do reino de Willford pelo decreto feito pelo primeiro ministro, Elliot Seres, que assumiu o governo depois de Rosaria, os feiticeiros não tiveram escolha a não ser migrar para o único território alternativo – as planícies inabitadas de Ghennas, ao leste do reino.
Terra inóspita, jamais habitada por humanos ou feiticeiros durante centenas de anos, as terras de Ghennas eram belas, sem dúvida – enormes campos verdes que se extendiam até o horizonte, onde se viam morros, arbustos e pequenas vegetações ao longe. Mas lá quase não haviam rios e o pior – haviam muitos, muitos monstros.
Separados em pequenos grupos de refugiados, os feiticeiros começaram, aos poucos, a atravessar as planícies. Os feiticeiros de Fogo, considerados guerreiros caçadores e de modos simples, adaptaram-se logo à vida nas planícies, vivendo da caça aos monstros e fazendo pequenas plantações ao longo dos poucos córregos que ali haviam. E ficaram por ali, formando pequenas vilas espalhadas pela planície e, bem no centro, construíram sua capital, Flameria.
Os feiticeiros de Água eram conhecidos por serem muito pacíficos, e grandes adoradores da natureza. Como era muito difícil o acesso à àgua em Ghennas, e o local era muito quente, logo se viu que eles não se adaptariam bem ali. Os grupos da Água migraram para o norte, onde encontraram as frias Montanhas Liore, belíssimo lugar com muitas florestas boreais, repletas de pinheiros e cachoeiras, onde fundaram sua capital, escondida entre a floresta, Prime d’ Acqua.
Os feiticeiros da Terra também eram considerados de modos “rudes”, como os de Fogo, e não se demoraram muito em procurar um local ideal; se instalaram nos desertos de Rockaxe, ao sul.
Os feiticeiros do Trovão, mestres da tecnologia, procuraram um local onde pudessem se instalar que oferecesse diversos recursos naturais e matéria prima. Dizia-se que eles haviam inventado algo chamado “energia elétrica”, uma forma de canalizar a magia para fazer armas e máquinas funcionarem sozinhas. Por fim, ficaram perto do rio Armon, onde construíram a maior das cinco capitais, e orgulho dos feiticeiros de Trovão, a gigantesca e futurística Aluminia.
Apenas o paradeiro dos enigmáticos feiticeiros do Ar era incerto. Havia muito poucos deles, e acredita-se que eles se refugiaram em algum lugar das montanhas Val Lyra, ao extremo leste das planícies.
A expansão dos feiticeiros ao longo das terras de Ghennas demorou alguns anos. Uma vez fixado o território, algum tempo depois foi convocada uma reunião, com um representante de cada capital, para oficializar a fundação da República Unificada dos 5 Grandes Clãs Feiticeiros.
Este dia ficou marcado nos registros históricos como o Dia da Fundação da República.
Mas a idéia de “união” estava apenas nos registros. Uma união de fachada. Na realidade, cada clã funcionava de forma independente. E havia uma certa rivalidade entre eles. Os feiticeiros de Fogo e Trovão, os dois maiores guerreiros entre os clãs, eram rivais históricos; o clã da Água era ridicularizado pelos clãs guerreiros por sua conduta pacífica e por não ter magias poderosas de ataque; o clã da Terra era mal visto por ter em seu meio muitos ladrões; e os feiticeiros do Ar, com fama de serem místicos e religiosos, viviam isolados.
Ainda sim, com o passar dos anos, a existência da República ganhou força e foi reconhecida por Willford.
Em resposta a um documento enviado pelos 5 representantes da República, o reino preferiu manter uma conduta neutra. Não foi assinado um acordo de paz, nem tão pouco declarado inimizade em relação ao novo país. Apenas declararam, em documento oficial:
“O território da Família Real Seres, o Reino de Willford reconhece oficialmente a existência do novo território, a República Unificada dos 5 Grandes Clãs Feiticeiros. Sem maiores pormenores, aqui registro e assino. Elliot Seres, Primeiro-Ministro do Reino de Willford.”
E assim, oficialmente, encerrou-se a guerra. A paz durou muitos anos, com humanos de um lado, e feiticeiros do outro.
Alguns fatos foram simplesmente esquecidos pelo tempo. Outros, ignorados. E outros, escondidos até que chegasse a hora certa de revelá-los. O corpo da rainha deposta, Rosaria, e de sua filha nunca foram encontrados, embora todos tivessem certeza de que foram mortas. Os habitantes humanos de Willford não podiam perdoar a rainha que durante tantos anos os enganou fingindo ser um deles, quando na verdade era uma – “abominável, monstruosa, traidora” – feiticeira.
Entre os feiticeiros, seu nome ficou guardado para sempre como o da mártir que lutou, ainda que escondendo sua própria identidade, pelos direitos e bem estar de seu povo. Enquanto esteve no poder, Rosaria tentou, dentro de seus limites, tomar medidas para melhorar a vida dos feiticeiros dentro de Willford. Infelizmente, tudo isso foi abaixo quando surgiram os feiticeiros das trevas, os Falcões Negros.
Ainda havia na República uma faísca que desejava vingança contra Willford. Ainda havia em Willford uma faísca que desejava destruir o novo país fundado pelos feiticeiros.
Só faltava um único combustível para a guerra explodir novamente.

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