Simples Assim


Lya Gallavote
Simples Assim



Capítulo um


Será que ele vai me deixar aqui sozinha?

O vapor do banheiro espalhou pelo quarto assim que Thomas abriu a porta. Eu assistia ao programa de variedades matinal, recostada nos travesseiros, coberta apenas pelo lençol suave. Meu cabelo comprido estava despenteado, mas eu sabia que Thomas gostava de me ver ao natural. Desfrutava da imagem dele, enquanto terminava de se enxugar com uma toalha grande e macia. Sua pele úmida, seu corpo atlético, sua boca sedutora.
Olhei para seus olhos azuis e sorri.
‒ Esperava que fosse ficar comigo hoje. É a primeira vez que estamos juntos em um hotel tão grande e perfeito. Esperava pelo menos tomar o café da manhã com você. 
Minha voz suave provava que eu tinha a intenção de seduzi-lo. Joguei o controle da televisão na cama e estiquei meus braços brancos sobre as fronhas de cetim azul-cobalto. 
‒ Eu volto logo, Olívia. Tenho uma reunião de negócios e não posso me atrasar. Prometo que venho para almoçarmos juntos e assim que chegar serei todo seu.
‒ Não posso ter você só para mim pelo menos um dia inteiro? Isso não estava em meus planos quando aceitei passar a noite aqui. Hoje é sábado, Thomas.
‒ Não posso largar meu trabalho. Preciso desse contrato assinado...
‒ Como você consegue trabalhar tanto?
‒ Não reclame. Como acha que te presenteio com tanto luxo?
Claro que me chateei.
‒ Não me importo com todo esse luxo...
‒ Não, Olívia. Por favor, esse assunto de novo, não. 
‒ Você nunca vai entender que eu só quero você. Não ligo para presentes caros, desde que esteja comigo. 
‒ Mas eu gosto de te presentear.
‒ Nunca vou me acostumar com você longe de mim por tanto tempo.
Assim que ele terminou de se vestir, passou um pente pelo cabelo, apanhando o celular e verificando as mensagens na tela.
‒ Vou voltar correndo para ficar com você. À tarde iremos comprar nossa fantasia para o baile beneficente que iremos semana que vem ‒ ele inclinou-se para me beijar. Eu quase me perdi em seu perfume cítrico, então, o puxei para a cama pelo pescoço. ‒ Vou deixar você escolher a minha.
‒ Tudo bem. Estarei te esperando ‒ e o beijei com vontade.
Thomas se desvencilhou relutante, apanhou as chaves sobre a mesa de mogno, piscando para mim.
 ‒ Eu volto logo, gata.
Ouvi o som do elevador, reconhecendo que era hora do banho de princesa. Entrei no banheiro, abrindo logo o misturador. Enquanto a banheira enchia, separei a roupa que usaria naquele dia: um vestido de viscose florido e um lenço no pescoço. Prenderia o cabelo, para que os brincos de brilhante que ganhara de Thomas uma semana atrás quando comemoramos seis meses de namoro, aparecesse. Ele adorava quando eu usava os presentes que me dava. Ostentava as provas do amor de Thomas, pelo valor que gastara comigo. Eu já colecionava um anel de ouro, uma gargantilha de prata com um pingente de diamante que fazia par com uma pulseira com as mesmas pedras. Claro que eu achava aquilo um exagero, mas Thomas insistia em me encher de mimos extravagantes, me deixando cada vez mais mal acostumada.
Voltei para o banheiro, disposta a ficar de molho na banheira por uma hora. Depois me vestiria e, desceria até o restaurante para tomar o café da manhã. Fechei as torneiras, quando algo próximo aos meus chinelos me chamou a atenção: um cartão branco. Tentei não me preocupar com aquilo, afinal, meu namorado era um homem de negócios, cheio de compromissos importantes, com pessoas que tinham seus contatos registrados em um simples cartão de visita. Porém, não resisti. Examinei o cartão com cuidado.


Sophia Gomes
Advogada

Tudo bem... Thomas também era advogado. Tudo muito perfeito, até ler a letra feminina no verso com os dizeres: Adorei! Até mais.
Meu estômago se contorceu quando finalmente me dei conta de que poderia ser uma paquera, um encontro, ou até mesmo, outra namorada. 
Ele não poderia fazer aquilo comigo, poderia? Claro que não. Isso seria terrível. Estávamos juntos, apaixonados e felizes. Seis meses cheio de carinho, declarações, promessas de amor.
Somos um casal. Um casal que se ama, nada mais. 
Não fazia sentido pensar que ele tivesse interessado em outra pessoa. Aquela frase poderia significar apenas um encontro profissional, uma solução de um assunto profissional qualquer, um documento bem redigido. Nada de mais. 
Guardei o cartão na bolsa e entrei na água morna da banheira, policiando meus sentidos para não reagir de forma insana sobre o que acabara de encontrar. Deslizei para dentro do líquido reconfortante cheio de espuma macia, refrescante, sem pensar em mais nada. Sem que aquele cartão tirasse meu momento de princesa dos planos para aquela manhã de sol. 
* * *
Para a maioria das mulheres, sábado sempre é um ótimo dia para compras. Ainda mais quando se ganha o cartão de crédito do namorado, sem um limite estabelecido, podendo comprar o que quiser, como quiser, onde quiser. Claro que para mim isso não é motivo de total êxtase. Não sou o tipo de pessoa que compra tudo o que vê pela frente e muito menos, compra apenas por prazer. Talvez, seja um erro ser assim. Ou, talvez eu seja uma aberração entre as garotas por não fazer questão nenhuma de entupir meu guarda roupa com peças que jamais irei usar, mas que posso comprar para ter o gosto de dizer: “Gastei uma fortuna com isso!”. Porém, minha mãe, sempre me ensinou que temos que ter cautela em tudo. “Hoje temos, amanhã pode faltar”, ela sempre dizia. Então, sair apenas para passear e comprar somente se me interessar, me deixava feliz. Eu me realizava apenas ao caminhar pelas ruas movimentadas, vendo as pessoas segurando suas sacolas. Não é porque seu namorado te dá carta branca para as compras que você é obrigada a torrar todo o dinheiro dele. Não. Pelo contrário. Gosto de mostrar que sou uma pessoa segura e quero que ele saiba que estou com ele porque o amo, e não porque ele tem dinheiro.  
Nosso namoro tem amor, paixão e começou quando eu ainda trabalhava no restaurante em que Thomas almoçava todos os dias com outros advogados. Fazia questão de servir a mesa dele com o meu melhor sorriso. Thomas e eu não parávamos de trocar olhares. Era nossa rotina. Enquanto ele almoçava, eu me deliciava com a sua imagem a poucos metros de mim. Seus olhos azuis sedutores, seus cabelos loiros, brilhosos, seu sorriso perfeito, carismático, me deixava anestesiada. Só que, depois de duas semanas nessa paquera tímida, ele me olhou diferente. Havia algo por trás do seu olhar. Desejo, paixão, carinho.
Tudo o que eu sempre tinha sonhado começou a acontecer. Thomas era perfeito para mim. Um homem que fazia meu coração disparar e meu estômago contorcer. Ele me chamou para sair depois do trabalho, nada de mais. Só um jantar para nos conhecermos melhor. 
Eu, uma jovem solteira de vinte e três anos, longe da sua cidade de origem e de toda a família humilde, fui convidada por ele, um homem rico de vinte e oito anos, sedutor e poderoso, capaz de tirar mil suspiros de qualquer mulher.
Quando saí de Mogi das Cruzes, para estudar e trabalhar em São Paulo, eu jamais imaginei que um dia meu conto de fadas se tornaria real. Em poucos dias, depois que começamos a namorar, eu já havia deixado a pensão feminina do centro da cidade, para morar em um apartamento de quatro cômodos na Vila Mariana. Mas, eu nunca abri mão da minha independência financeira. Eu queria continuar trabalhando. Claro que Thomas fez questão de me arranjar um emprego como secretária no escritório de advocacia do João, amigo dele, e eu aceitei, pois assim, poderíamos nos encontrar mais vezes, pelo fato do escritório ficar no mesmo prédio que Thomas trabalhava. Além do salário quatro vezes maior do que o de garçonete. Não fazia ideia de que em tão pouco tempo, eu e Thomas seríamos tão felizes. Ele sempre dizia todas as coisas que eu queria ouvir: como eu era linda, perfeita, e como o fazia perder o fôlego durante os nossos beijos.
Eu achei o paraíso e não queria mais voltar ao mundo real. 
Parei em uma loja chiquérrima na Avenida Paulista e me interessei pela lingerie linda da vitrine, com detalhes em renda e pedras. Claro que era luxo demais para esconder debaixo de qualquer roupa que eu pudesse usas. Mas, a minha intenção era me exibir para Thomas depois do almoço, usando apenas a lingerie. Uma surpresa dessas seria maravilhosa e eu poderia garantir que ele ficaria ainda mais apaixonado por mim. 
Fui até a atendente no balcão, pedi o tamanho pequeno e me aproximei das peças penduradas na arara, enquanto esperava a garota voltar. Tinha certeza que Thomas iria amar aquela cor em mim. Mal podia esperar para ver a cara dele ao me encontrar tão sedutora.
Eu olhava as camisolas de cetim, quando a porta da loja se abriu ao meu lado. Uma voz familiar me chamou a atenção. Virei-me e dei de cara com meu namorado.
‒ Thomas! O que está fazendo...
Ele, com cara de pânico, se desvencilhou da loira sorridente que entrou ao seu lado. Os dois pareciam bem íntimos, aliás, até de mãos dadas eles estavam.
‒ Oi... ‒ disse suavemente, com os olhos arregalados.
Então a loira olhou para mim e voltou a olhar para Thomas.
Uma mulher.
Com Thomas.
Fiquei paralisada, sem conseguir acreditar no que via. Eu olhava de um para outro enquanto esperava uma explicação. Finalmente, a atendente voltou, colocando a lingerie sobre o balcão. Conferiu o tamanho.
‒ Ai! Peguei o médio. Vou trocar  ‒ e saiu.
A loira, finalmente sorriu para mim.
‒ Não vai me apresentar sua amiga, Thomas?
Amiga? Eu não era amiga dele. Eu era a namorada dele. Tentei dizer a mim mesma que havia uma boa explicação para o que eu via. Thomas não faria uma coisa daquelas comigo, de jeito nenhum. Especialmente depois de tudo o que vivemos nesses últimos seis meses juntos. Talvez aquela mulher fosse colega de trabalho, e eles estivessem ali em busca de algum presente... hum, para alguém. Talvez estivessem apenas procurando um presente para mim e ele pediu ajuda na escolha do melhor. Talvez eu ainda estivesse na banheira, pegado no sono, enquanto relaxava, e aquilo era um pesadelo terrível.
Mas... não.
‒ Muito prazer, eu sou Sophia. 
Sophia? Espere um minuto. Vasculhei a bolsa em busca do cartão e conferi: 


Sophia Gomes
Advogada

Claro, a dona do cartão que eu havia encontrado no banheiro. Bem que meus instintos ficaram aguçados quando li a frase no verso: Adorei! Até mais. 
Ela ergueu a mão para me cumprimentar, e Thomas, evitando me encarar, levou-a para o outro lado da loja.
Que educado!
Depois de parecer estarem discutindo, apesar de eu não conseguir ouvir uma palavra, ele voltou.
‒ Olívia  ‒ disse, colocando as duas mãos em meus ombros. ‒ Sinto muito por você ter me encontrado com Sophia. Não queria que isso acontecesse aqui.
Tentei falar, mas a voz não me obedeceu. Minha boca secou e o ar ficou rarefeito em meus pulmões.
Ele começou a acariciar meus braços.
‒ Sinto muito, Olívia. Sinto muito mesmo. Só queria te deixar em uma situação confortável... Assim que você terminasse a Faculdade eu ia te contar. 
‒ Como você pôde? ‒ as palavras eram quase um sussurro, minha garganta estava seca. ‒ Como pôde ser tão canalha?
Ele se aproximou mais.
‒ Não quero que fique com raiva de mim. Bem, conheci Sophia há dois meses...
‒ O QUÊ? Você já está com essa aí há dois meses? Meu Deus, Thomas.
‒ Não sabia se daria certo. Ainda estamos nos conhecendo  ‒ ele passou as mãos nas minhas costas. ‒ Talvez isso faça você se sentir melhor.
O choque passava lentamente, dando lugar à raiva. Eu me afastei.
‒ Como você pôde? ‒ perguntei  ‒ RESPONDA ‒ gritei e percebi que todas as pessoas de dentro da loja olharam para nós, inclusive Sophia.
‒ Olhe, eu ia te contar.
‒ Você ia ME CONTAR?
‒ Olívia, eu sinto muito.
‒ SENTE MUITO?
‒ Por favor, pare de fazer escândalo e me escute. Eu posso explicar.
‒ Ótimo, então. ‒ Sentei-me no Puff de couro branco, no centro da loja e o encarei. ‒ Comece.
Ele respirou profundamente, deixando claro a sua insatisfação ao me encarar. 
‒ Olívia, eu tive medo de você não aceitar minha ajuda depois que terminássemos. Sei que o que ganha não é o suficiente para pagar o aluguel e a faculdade e pelo que te conheço, sei que não iria aceitar minha ajuda se eu terminasse com você.
‒ Nossa! É sério mesmo isso que você está me dizendo? Meu Deus! Como você é caridoso ‒ ironizei.
‒ Bem, eu...
‒ Enquanto isso continuaria fazendo sexo comigo e com essa ai!? ‒ eu não conseguia mais olhar para ele.
Thomas suspirou. Um suspiro bastante profundo.
‒ Tudo bem se não aceitar minhas desculpas, não sei o que posso fazer.
‒ Desculpas? ‒ eu ri. ‒ Você acha que pedir desculpas vai apagar o que aconteceu entre nós dois? Pensei que você me amasse. 
‒ Olívia, eu amo você. Mas, a paixão acabou.
Não podia acreditar que ele disse aquilo. Acho que Thomas estava perturbado, só poderia ser.
‒ O que isso quer dizer?
‒ Que eu não estou mais apaixonado. Eu sinto um carinho muito grande por você, gosto de sua companhia, mas, acabou a atração.
Meu corpo começou a tremer.
‒ Eu devia ter te contado antes, mas achei mais fácil manter as coisas assim. Sophia sabe sobre nós. O que posso dizer? Estou começando outro relacionamento e não quero que nada atrapalhe.
Fiquei enjoada. Lágrimas escorriam em meu rosto.
‒ Não chore, Olívia. ‒ Thomas se sentou e me abraçou. ‒ Pode me bater se achar que vai se sentir melhor. 
Eu me livrei do braço dele e ajeitei a bolsa no ombro. A vendedora sorridente parou em minha frente com vários modelos diferentes de lingerie.
‒ Eu trouxe mais esses modelos para você ver. Chegaram agora mesmo na loja. Você está bem?
Olhei para Thomas, e depois para Sophia, depois virei para a vendedora e puxei todas as lingeries de sua mão.
‒ Vou levar todas. Ele vai pagar.
Coloquei tudo na bolsa e corri para fora da loja.
Para longe do Thomas. Longe das mentiras. Longe de tudo.


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