O Braço Direito



Eduardo C. Duque 
 O Braço Direito


 CAPÍTULO 1
    
 Rio de Janeiro, três anos atrás.
     Todos estavam apreensivos, toda a Avenida Rio Branco estava fechada, nenhum veículo podia transitar nela e um grande cordão de isolamento foi criado para que, a população, curiosa não pusesse tudo a perder.
     Enquanto vários policiais tomavam suas posições, dezenas de repórteres do Brasil e do mundo cobriam aquele evento fatídico que iria ter uma grande repercussão durante muito tempo em todas as formas de mídia.
     Em uma das várias agências bancárias daquele endereço a comoção era enorme. Um dos membros de uma quadrilha de assaltantes estava cercado, mas havia com ele uma refém. Após policiais terem frustrado o assalto a uma enorme agência do Banco do Brasil, o tal meliante, foi o único que ainda não fora preso e estava muito difícil negociar com ele.


     Jefferson Hing era um homem magro de trinta e cinco anos, e ficou naquela situação, porque na hora em que o bando saía do banco com o dinheiro roubado Jefferson se distraiu, pois reconheceu  uma funcionária do banco e percebeu que ela o reconhecera também. Esse fato o atrasou alguns segundos, o que o impediu de acompanhar seus outros três comparsas na hora da fuga. Quando os outros três bandidos saíam pela porta com as sacolas cheias de dinheiro, havia uma viatura da polícia. O tiroteio foi inevitável! Ao verem que os três bandidos corriam em direção a uma van que os esperava a cinquenta metros do banco, imediatamente os policiais abriram fogo contra a van.
    No mesmo instante o motorista da van arrancou com o veículo deixando todos os bandidos para trás.
    Os bandidos então procuraram abrigo naquele cenário, puseram suas sacolas com o dinheiro roubado no chão e revidaram contra a viatura da Polícia Militar. No mesmo instante, centenas de pessoas, jovens adultos, pessoas indo e vindo do trabalho, correram desesperadamente em várias direções. Um dos policiais pediu reforços pelo rádio, enquanto que o seu parceiro enfrentava de maneira injusta os três bandidos.
    Algumas pessoas foram atingidas por balas perdidas e caíam pelas calçadas enquanto outras atravessavam a rua desesperadamente na frente dos carros cujos motoristas sequer entendiam aquela situação desesperadora, havendo alguns atropelamentos no processo.
   Apesar de acuados, se protegendo atrás da viatura, os policiais tiveram mais pontaria em seus disparos, acertando dois bandidos que ficaram caídos inconscientes. O terceiro bandido pegou sua sacola com o dinheiro do assalto e correu em direção a uma das ruas que desembocam na grande avenida. Um dos policiais correu atrás do meliante, iniciando assim, uma caçada em meio a pedestres na área central da Cidade do Rio de Janeiro.
    O outro policial ficou e foi checar os assaltantes abatidos, pegou suas armas e chamou uma ambulância pelo rádio, logo logo a ambulância e os reforços estariam no local.
    Do lado de dentro da agência, Jefferson observava aterrorizado tudo pelo vidro fumê, com todos os funcionários e clientes como reféns sob a mira de sua arma.
    Aproveitando de sua distração, o vigilante da agência, que estava desarmado, foi para cima de Jefferson iniciando assim, uma feroz luta corporal. Enquanto ambos rolavam pelo chão brigando, todos os clientes e funcionários aproveitaram para sair dali numa gritaria histérica empurrando o policial que ainda estava se preparando para entrar no banco.
    Aos gritos deTem mais um! Tem mais um!” vindos dos reféns, o jovem policial decidiu entrar no banco sem ao menos esperar reforços. Ao passar pela porta giratória que estava destravada, o policial ainda conseguiu ver o assaltante e o segurança rolando pelo chão quando de repente se ouve um tiro e o segurança rola morto com um tiro no peito.
    O policial mira para atirar no assaltante, mas é tarde demais. A mira de Jefferson é ainda melhor e com um tiro na testa o bravo policial cai no chão da agência.
    Jefferson se levanta ainda ofegante pela batalha corporal, olha ao redor e observa que sua sacola de dinheiro ainda está ali no chão. Viu também que todos haviam saído da agência, menos uma pessoa. A refém que o reconhecera, estava ali parada, em estado de choque por ter presenciado toda aquela cena. O assaltante a encara enquanto aquela mulher em prantos o observa também. Sem dizer uma palavra, Jefferson pega sua sacola e se dirige em direção a saída do banco. Porém, ao se aproximar da porta, que na rua haviam várias viaturas e ambulâncias. Sem pensar duas vezes, ele agarra a refém por trás, e com a arma apontada para o pescoço dela se aproxima da porta deixando bem claro para a polícia que ele não estava disposto a se render tão fácil.
    Já se passara meia hora desde o início do assalto e essas cenas se repetiam várias vezes na mente do assaltante que maquinava uma maneira da sair dali vivo, e seu único passaporte para isso era aquela mulher trêmula, ali sob a mira de sua arma.

    Maria da Cunha era uma mulher bonita, de meia idade, que aos 39 anos ainda chamava a atenção dos homens na rua. Loira , de pele bem branca e seios fartos, não era raro ouvir assovios ou cantadas sórdidas por onde passava. Mas no momento, Maria estava em busca de algo a mais, estava em busca do companheiro ideal, aquele que com o qual valeria a pena dividir sua atual situação financeira.
    Desde a adolescência, Maria sempre foi uma pessoa esforçada e estudiosa. Logo após se formar  em no curso de contabilidade pela UFF, passou em três concursos públicos diferentes. Sua opção foi   trabalhar no Banco do Brasil, onde sabia que começaria com um cargo mais simples, mas que com seu intelecto subiria na hierarquia da empresa.
    Funcionária exemplar desde os 25 anos, nunca faltou, exceto em casos extremos, como no dia em que ela e sua mãe foram assaltadas de maneira traumática nas proximidades da Central do Brasil.
    Nos últimos dez anos, viveu vários romances, mas nenhum que valesse a pena, apenas homens interesseiros que quando viam o carro e o confortável apartamento em que vivia, achavam que poderiam explorar a boa situação financeira que seu cargo de Gerente Sênior lhe proporcionava. Maria, aliás era a pessoa mais nova a ocupar o cargo Gerente Sênior, não só de sua agência, como de todas as agências do Banco do Brasil de todo o país.
    Seu apartamento ficava no sexto andar do prédio de número 203 na Rua Tonelero em Copacabana. Apesar de uma fachada simples onde a cor cinza é predominante, seu apartamento era muito bem mobilhado com móveis de muita qualidade que eram muito bem preservados por ela e sua mãe com quem morava até então.
    O prédio fica do lado do Hotel Premier Copacabana e de frente para a estação Siqueira Campos do Metrô, o que era muito prático para ela, que apesar de ter um ótimo carro na garagem, preferia ir para o trabalho de Metrô, evitando assim o conturbado trânsito do Rio de Janeiro.
    Na última reforma em seu apartamento, Maria precisava  de um eletricista para melhorar a iluminação de sua sala de estar e de seu banheiro. Um servicinho rápido e que não precisava de nenhum técnico ou algo assim. Foi quando sua empregada, Rosa lhe indicou um primo que estava precisando de emprego, e que fazia bicos como eletricista.
    Rosa morava perto do apartamento de Maria numa comunidade próxima, o que animou a patroa a contratar o primo dela para o serviço. Dois dias depois a empregada chegou com seu parente, um homem magro, chamado Jefferson. O serviço foi feito rapidamente e em dois dias, Jefferson já tinha terminado tudo. Depois desse episódio, Maria nunca mais o viu e isso já fazia uns seis meses, mas maia nunca esquecia um rosto, e ao ver Jefferson assaltando aquele banco, ela gelou.


CAPÍTULO 2
    Já anoitecera e as luzes das sirenes iluminavam a Avenida Rio Branco. A situação era tensa, haviam atiradores de elite nos prédios próximos, mas o ângulo de visão para a agência dificultava uma mira eficiente no assaltante.
    Jefferson ficava com sua arma o tempo todo apontada para o pescoço de sua refém. Uma invasão era muito arriscada pois havia apenas uma entrada disponível para a agência e qualquer manobra mal executada poderia custar a vida da funcionária do banco. O Secretário de Segurança do Estado já se via na difícil tarefa de ter que dar explicações ao Governador, pois tal evento já estava repercutindo muito negativamente para a imagem da cidade internacionalmente.
    A única alternativa restante era chamar a divisão de elite da Polícia Militar, o BOPE. Pouco tempo depois, duas viaturas de cor preta, característica do batalhão, chegava à Avenida Rio Branco; delas desciam 8 homens com a farda preta com a estampa no braço de uma caveira com uma faca atravessando-a .
-                   E então? Como estamos? - disse um Capitão do BOPE ao tenente-coronel da Polícia Militar responsável pelas negociações com o bandido até então falhas.
-                   Bem, um dos assaltantes ficou para trás e acabou pegando uma funcionária do banco como refém. Lá dentro temos um vigia e um policial mortos. Dois bandidos foram baleados do lado de fora e estão no hospital sob escolta. O quarto bandido tentou fugir pelo Centro, mas o Cabo Almeida não conseguiu prendê-lo. Aliás, ele está muito mal, pois o policial morto era seu parceiro.
-                   E quanto a van?
-                   Bem, o cara da van conseguiu fugir. Infelizmente não sei se há como identificá-lo, mas com certeza o pessoal da Civil vai solicitar as imagens das câmeras dessas lojas daqui da redondeza.
-                   Muito obrigado Tenente-coronel. Deixa que assumiremos daqui.-disse o Capitão do BOPE. - Cabo Paulo, por favor, venha aqui!
-                   Sim, senhor!-respondeu o Cabo do BOPE Paulo.
-                   Quero que forme um grupo de três homens e invadam aquela agência, antes que o maldito lá dentro perca a cabeça e atire na refém, aqui está a planta do prédio.
    Cabo Paulo era um policial muito dedicado, desde sua época na Polícia Militar. Forte e decidido era o homem de confiança do Capitão, sua carreira ali era promissora. Porém a partir desse dia sua vida tomaria um novo rumo.



    Já se passaram quatro horas desde o início do assalto, e já estava anoitecendo. Jefferson estava ficando cada vez mais nervoso, enquanto que Maria soluçava copiosamente. O suor escorria pelo rosto de Jefferson que a esta altura já havia apagado as luzes do banco. Suava muito. “Estranho... cadê o ar condicionado?”, pensou.
    Jefferson então jogou sua refém no chão e correu para trás de uma das mesas de gerente do banco.
    Não conseguia enxergar nada, pois a sala estava quase toda escura! Apenas um vulto! Blam! Jefferson dá um tiro desesperadamente. Nada! Somente Maria gritando abaixada de maneira histérica no canto.
-                   CALA  A BOCA!! - o bandido gritou enquanto tirava o suor da testa com a mão que não estava segurando a arma.
    Do lado de fora o tiro disparado por Jefferson assustou os policiais que queriam invadir a agência, mas foram impedidos pelo Capitão do BOPE. - Se acalmem! Meus homens estão lá dentro!
    O silêncio reinava novamente, o que deixava Jefferson ainda mais nervoso. Ele decidiu então ir até sua refém novamente mas foi impedido com um golpe. Caído no chão viu o brilho reluzente de um fuzil apontado para ele. Ao olhar para cima viu um homem de farda preta e touca ninja da mesma cor, deixando apenas a caveira estampada no braço em destaque.
            -     Você está preso, um movimento e tu já era!-disse o soldado do BOPE.
    Ao olhar para trás, Jefferson viu mais dois homens indo de encontro a funcionária do banco, um deles era Paulo, que logo tirou sua touca ninja para transmitir segurança para a refém.
-                   Está tudo bem aí Paulo? - perguntou o soldado que rendia Jefferson, distraindo-se.
    Rapidamente, Jefferson pulou pra cima do homem, puxando uma faca que estava em sua cintura e levando-a em direção do pescoço do  soldado.
   O corte foi profundo e o sangue jorrava enquanto o policial caía, instintivamente, Paulo sacou sua arma contra o bandido, antes que o mesmo tentasse fugir.
   Sua pontaria e sua ética direcionaram o disparo para a perna direita de Jefferson, que caiu gemendo de dor ao lado do policial que agonizava no chão. Todos tentaram chamar uma ambulância, mas foi em vão. O policial morreria em menos de um minuto. A eles caberia algemar Jefferson e levá-lo para a prisão para aguardar um julgamento.



    Ainda haviam muitos carros de polícia, bombeiros, ambulâncias e de emissoras de TV  na Avenida Rio Branco naquela noite. Jefferson estava algemado dentro de um camburão de polícia. Sua perna sangrava e doía, mas ele tinha que esperar certos trâmites para que fosse levado a um hospital.
    O camburão estava atrás de um enorme caminhão e estava sendo vigiado por um policial. Da escuridão vem um policial em direção do outro que vigiava o preso no camburão:
-                   Oi! Eu sou o Cabo Almeida do quinto batalhão...
-                   Oi, então você estava na viatura quando tudo começou!? Sinto muito pelo seu parceiro!
-                   Obrigado cara! Por isso vim aqui... Gostaria de dar uma palavrinha com esse verme...
-                   Hum... Que bom que você chegou! Eu preciso dar uma mijada, volto precisamente em cinco minutos!
-                   Falou! Pode deixar!
    Um sorriso de canto de boca foi a senha para ambos. O policial deixou as chaves na mão do Cabo Almeida , que enquanto caminhava tirava uma pequena corda de náilon do bolso.
    Lentamente ele destrancava o cadeado da viatura. Jefferson olhou para ele, mas não deu muita importância, para ele, era hora de partir para um hospital.
-                   Olá Jefferson Hing.... Você com certeza não sabe quem sou... - Almeida falava com um sorriso diabólico no rosto...- Eu sou parceiro daquele policial que você matou com um tiro na cabeça na porta do banco...
    Agora sim Jefferson estava se preocupando, principalmente ao ver a corda transparente na mão do policial.
    Com sede de vingança pela morte de seu parceiro esticou a corda e a levou em direção do pescoço do bandido que estava acuado no canto da jaula do camburão.
    De repente, Almeida sentiu um metal frio pressionando seu ombro.
-                   Largue isso! O Sr. Está preso! - disse Paulo autoritariamente.
-                   Que isso amigo?! Nós sabemos que a vida dele não vale nada...- Cabo Almeida tentou argumentar.
-                   Não interessa! Ele será julgado...
-                   Julgado?! - Almeida não acreditava no que ouvia.- Ele é um merda! Matou meu parceiro e um colega seu e você acha que ele tem que ser julgado?! O máximo que esse bosta vai conseguir é ficar numa delegacia superlotada!
-                   Venha comigo, Cabo Almeida, ou terei que usar a força...Lembre-se de que EU estou com uma pistola na mão.
-                   Ok! Mas você vai se arrepender disso! Acha que é porque é do BOPE é melhor que nós?!
    Cabo Paulo levou Almeida até o Tenente-coronel da PM para que fossem tomadas as soluções cabíveis... Mas o resultado disso fez com que Paulo mudasse o rumo de sua vida para sempre.

 Capítulo 3
    
Dias atuais.
     Saulo completava mas um ano separado de sua família. Sua mãe, seu pai, seu irmão e a mulher que ele amava.... Todos lhe viraram as costas no momento em que mais precisou. Definitivamente não havia mais espaço para Saulo na família Dutra.
    Hoje Saulo Dutra estava financeiramente estável, mas penou muito para chegar até onde chegou e teve que seguir por caminhos tortuosos para isso.
    Já fazia quatro anos que fora excluído de sua família e há um ano atrás tentou uma reaproximação, mas seu pai disse que ele era seu maior desgosto. Três meses depois o pai de Saulo faleceu de enfisema pulmonar, devido aos cigarros que passou a fumar, e Saulo não pôde nem se despedir, não teve autorização de comparecer ao enterro.
    Sua mãe, Dona Mercedes teve uma série de complicações de saúde depois do 'episódio fatal' . A hipertensão e diabetes foram as principais, sem contar que Dona Mercedes evitava de sair na rua para não ser 'apontada' por causa de seu filho, e depois que ficou viúva, ficou reclusa numa casa da família no litoral, cuidando apenas de seus cães e suas flores.
    Já seu irmão, Saulo encontrava esporadicamente, quando queria saber de sua mãe, mas a conversa entre os dois quase sempre terminava em discussão,e uma vez quase chegou às vias de fato, mas Saulo se conteve na hora. O que mais doía era levar a culpa pela morte de seu pai e pelo estado de saúde de sua mãe.
     Mas se pelo menos uma pessoa não o tivesse abandonado, seria muito mais fácil passar por tudo isso, encarar essa exclusão. Afinal, foi por causa dela que Saulo tomou a decisão que tomou. Por seu amor por ela ele fez o que muitos consideram errado, e mesmo assim, Karla deu-lhe as costas. Ficou com vergonha de Saulo, cedeu às pressões de todos e o apunhalou pelas costas casando com Paulo, seu irmão mais velho.
     Saulo sempre foi apaixonado por Karla Cristina desde a época da escola. Poucos meses antes de Saulo se tornar policial militar, ele e Karla começaram a namorar.
     Assim como toda a família de Saulo, Karla estava muito orgulhosa de seu namorado entrar para a polícia. Para os pais do jovem, a alegria era ainda maior, uma vez que, Saulo entrou na polícia junto com seu irmão mais velho, Paulo Dutra.
    Na época, Saulo e Karla formavam um lindo casal, ele era branco, de porte atlético e com muito bom humor, o tipo de rapaz que sempre chamava a atenção das mulheres por onde passava, fossem elas novas ou de uma idade mais avançada. Já Karla, com sua pele morena e cabelos negros, não ficava atrás, fazendo muitos homens a desejarem...
    Ambos se amavam muito e sempre se mostravam felizes quando estavam juntos. As trocas de carinhos e beijos eram dignos de vários comentários, fossem eles bons ou ruins, uma vez que, existiam aqueles que odiavam o fato de Karla estar 'perdendo' seu tempo justamente com Saulo.
    Desde muito jovens Saulo e Paulo sabiam o que queriam. Filhos de Dona Mercedes e do 'Seu' Valter, sempre foram muito unidos e sempre se defendiam. Fisicamente eram muito parecidos, com pele bem clara, tipico de descendentes de argentinos. Seus olhos verdes  penetrantes combinados com seu porte atlético faziam com que todas as garotas da escola quisessem bem lá no fundo de seu inconsciente serem possuídas por um dos dois, ou até pelos dois irmãos ao mesmo tempo.
    Paulo é um ano mais velho que Saulo. Quando conseguiram passar no concurso para a Polícia aos 24 e 23 anos respectivamente, seus pais fizeram um churrasco para toda a rua, pois era muita felicidade num mesmo momento, e a Família Dutra tinha que compartilhar aquele momento.
    Quase tudo era perfeito para a Família Dutra. Seus filhos agora eram defensores da lei e tinham um ótimo relacionamento, se amavam e se protegiam, ou seja, eram verdadeiros irmãos. Porém, apenas uma coisa faria essa amizade inabalável ruir: o coração de Karla.
    Apesar de nunca mencionar, Paulo sempre se perguntou o porquê de Karla ter ficado com seu irmão mais novo. Tudo bem que Saulo era mais espontâneo que ele, mas ele sabia que só o seu amor por Karla era verdadeiro.
    Mas o medo de romper com seu irmão e desestruturar sua família, que sempre foi exemplo, fez com que Paulo nunca se abrisse sobre os seus sentimentos por sua futura cunhada. O tempo foi passando e rapidamente os irmãos completaram seis meses de Batalhão.
     Depois de seis meses, uma notícia caiu como uma bomba nos ouvidos de Saulo: Karla estava doente e precisava de uma cirurgia! Seus rins estavam parando de funcionar! Era inacreditável! Com apenas 23 anos, Karla foi obrigada a fazer Hemodiálise  e entrar numa fila para transplante do órgão!
    O desespero tomara conta dos sentimentos de Saulo... Esperar a cirurgia pelo sistema público de saúde poderia levar anos e uma cirurgia paga, era muito cara para seus padrões, afinal um soldado da polícia com apenas seis meses de batalhão não ganhava o suficiente.
    Quando soube que estava doente, Karla passou a evitar de sair na rua, para que não perguntassem sobre sua doença. Para que não sentissem pena... Ela contava apenas com sua mãe, que a criou sozinha desde os 5 anos depois que seu pai as abandonara, e com Saulo, que sempre que possível a levava para as sessões de Hemodiálise.
     Aos amigos, ela dizia que estava estudando, tentando passar para uma faculdade, até Saulo foi obrigado a mentir por ela, nem mesmo Paulo sabia do que estava acontecendo.
    Karla começava a definhar rapidamente, sua depressão só aumentava e nem a presença de Saulo a confortava mais. Diante das várias ondas de dor que sentia diariamente, seu namorado se sentia impotente.
     Foi quando o jovem policial resolveu ser radical. Aproveitando-se do fato de seu irmão servir em outro quartel da cidade, Saulo começou a se envolver com policiais corruptos. A fim de conseguir dinheiro o mais rápido o possível, envolveu-se em vários esquemas simultaneamente, desde extorsão a motoristas até o 'arrego' dado por traficantes das favelas do Rio. Em um caso extremo participou do sequestro da mãe de um traficante.
    Sua consciência pesava mais a cada dia, mas ele não podia parar, estava salvando uma vida! A vida da mulher que amava, da futura mãe de seus filhos. E Saulo tinha a certeza de que estava fazendo o que devia fazer, e se tivesse que fazer tudo de novo, ele faria.
    Tudo correu como o esperado, e em poucos meses, Saulo conseguiu o dinheiro para a cirurgia de sua amada. Então, com bastante dinheiro ainda, foi fácil pular lugar na grande fila de espera. A alegria era tanta, que Karla e sua mãe não deram muita importância para a origem do dinheiro, aceitando a justificativa de Saulo que lhes disse que o dinheiro era vindo de um empréstimo.
    Porém, nem tudo estava terminado. Após conseguir o dinheiro, Saulo queria parar de praticar os crimes, mas uma vez que se conhece a 'banda podre da Polícia', sair se torna impossível.
    Seu namoro com Karla estava maravilhoso, se encaminhando para um noivado... Saulo já não aguentava mais aquela situação, pois no fundo sempre foi uma pessoa honesta e fez o que fez apenas para salvar a vida dela.
    Então, a solução veio a sua mente. Saulo sabia que nunca mais poderia exercer sua amada profissão, mas diante de tudo, resolveu delatar todos os policiais corruptos do esquema, o que levou a prisão e exoneração vários policiais de alta patente. Logo, tal fato virou manchete em vários jornais. Repórteres não saíam do quartel onde trabalhava, o Secretário de Segurança do Estado teve seu comando sobre a Instituição da Polícia Militar colocada em xeque. No fim, Saulo ficou preso preventivamente por dois meses e logo em seguida seria expulso da Polícia. Durante o tempo em que ficou preso, ninguém foi visitá-lo.
    Ao retornar para casa, passando pelas ruas próximas de sua residência, Saulo podia sentir os olhares dos vizinhos lhe furando, lhe crucificando. Mas para ele isso não importava, pois sabia que ao chegar em casa receberia o apoio de seus pais, seu irmão e sua futura noiva. Porém, ao chegar, o clima não era tão amistoso. Assim que entrou , 'Seu Valter' trancou a porta e foi logo disparando:
-                   Você é uma decepção!
    Ao olhar ao redor, Saulo viu os olhares reprovadores de  'Dona Mercedes' e de Paulo.
-                   Mas porquê você fez isso meu filho? - a pergunta foi feita aos prantos por sua mãe.
-                   Seu  idiota! O que você tem na cabeça?! - Paulo foi bem mais efusivo. - A Polícia revistou nossa casa! Eu quase fui banido da corporação, fui investigado! Você é um irresponsável! Um bandido de merda!
    Foi quando um soco veio em direção a rosto de Saulo. Paulo não fez questão de esconder sua ira , derrubando seu irmão mais novo no chão.
    Ainda caído, Saulo com os olhos marejados observou bem seu irmão ofegante e com os punhos ainda cerrados, em seguida olhou para sua mãe, que estava em prantos, próximo a porta da cozinha e por fim, fixou bem seu olhar em seu pai que apenas lhe disse:
-                   Espero nunca mais vê-lo!- 'Seu Valter' virou as costas e subiu as escadas em direção ao quarto.
    Controlando-se para não chorar, Saulo levantou-se, limpou o fio de sangue que corria de sua boca e de cabeça baixa seguiu em direção à rua.



    Ainda atordoado  por tudo o que acabara de acontecer, Saulo caminhou pelas ruas se perguntando por que sua família sequer lhe deu a chance de se justificar. Inevitavelmente, algumas lágrimas escorreram pelo rosto. Somente uma pessoa poderia consolá-lo: Karla. E era para lá que ele se dirigia.
     Ao chegar lá, Saulo tocou a campainha, como se já soubesse, Karla abriu a porta rapidamente e em voz baixa o pediu para entrar.
    Ela estava ainda mais linda do que ele lembrava. Seus cabelos negros, sua pele morena... Como sentiu saudades dela enquanto estava preso! O sorriso veio instantaneamente e Saulo estendeu os braços enquanto andava em direção dela. “Meu amor...” Saulo a abraçou forte, mas não obteve resposta. Karla permaneceu ali parada como se fosse um poste. Diante de tal frieza, Saulo se afastou.
-                   O que você fez, Saulo? Por quê você fez essas coisas?
-                   Era necessário! Você estava doente!
-                   Mas isso vai contra tudo o que acredito! Esse não é o Saulo que eu conheci! Você extorquiu, contribuiu para o tráfico de drogas... Você participou de um sequestro! Qual é o próximo passo agora? Matar?!
-                   Se fosse necessário, eu faria tudo novamente.
     Os olhos de Karla lacrimejaram.
-                   Eu não posso! É demais para mim! Eu não te conheço. Não posso continuar com você!
    Saulo permaneceu ali parado olhando para Karla sem conseguir esboçar qualquer tipo de reação. Ao olhar para trás, viu a sombra de sua sogra na cozinha, e então vendo que nada mais podia fazer, se dirigiu até a porta e saiu da casa de Karla em direção à rua.
    Na rua Saulo podia perceber os olhares dos vizinhos e algumas piadas sussurradas, mas ele não ligava... Seu mundo estava desabando e ele não sabia o que fazer.
    De repente um carro para ao lado de Saulo. O vidro do motorista desce e lá de dentro se ouve uma voz:
-                   Tá ruim pro seu lado, hein 'perigoso'! Entra aí, precisamos conversar.
    Ao ouvir a voz, Saulo não tinha dúvidas de quem era. O motorista do carro era Luiz. Luiz era um homem negro e forte que fora do mesmo batalhão de Saulo. Ele ostentava um bigode fininho, o qual Saulo achava ridículo, mas que estranhamente fazia sucesso com as mulheres. Quando Saulo entrou para a polícia, Luiz já tinha dois anos de corporação. Rapidamente os dois fizeram amizade, principalmente depois de algumas missões juntos. Porém, depois de dois meses, Luiz resolveu pedir dispensa da Polícia Militar, pois havia aparecido uma grande oportunidade como guarda-costas de um poderoso Deputado Federal.
   Cabisbaixo, Saulo entrou no carro.
-                   Todos eles me viraram as costas Luiz. Meu pai, meu irmão... sequer me deram a chance de me explicar.
-                   Que isso cara... Procure entender, está sendo uma barra para todos.
-                   Será que você vai me abandonar também cara?
    Aquela pergunta pareceu um insulto para Luiz.
-                   Que é isso?! Que tipo de pessoa você acha que sou?! O egoísta do seu irmão?!
-                   Mas é que até a Karla...
-                   Cara, dá um tempo para ela, aliás, você tem que desaparecer...
-                   Desaparecer?!
-                   Claro! Você mexeu com muita gente! É até bom que ninguém mais queira falar com você. Pode ser perigoso para sua família... Não se preocupe, um dia a Karla entenderá que você fez o que fez, por causa dela.
    Saulo acabou dando razão para Luiz, o nome de muita gente importante na polícia foi dito por ele... logo, logo viriam atrás dele.
-                   E para onde vou?
-                   Não se preocupe, já falei com meu 'patrão', ele sabe tudo sobre você! Meu irmão, uma vida nova vai começar para você a partir de agora.
    Luiz seguiu pela Avenida Brasil e logo atravessaria a Ponte Rio-Niterói, levando até a casa de praia de seu patrão. A casa ficava na região litorânea de Niterói, em Itacoatiara, um bairro de pessoas muito ricas. Com quadra de futebol e piscina, localizava-se no alto da Rua das Orquídeas, de onde, era possível ver as ondar do mar arrebentando nas rochas lá em baixo. O Deputado não estava em casa, estava em Brasília e apenas os empregados estavam na mansão. Luiz disse que era para Saulo ficar a vontade, pois o 'patrão' já sabia que ele ficaria hospedado ali.
    Um mês depois, Saulo finalmente teve a oportunidade de conhecer o dono daquela maravilhosa casa.
-                   Aí 'perigoso'. Apresento o meu patrão, bem, o meu não, o nosso patrão.
     Natanael Pessoa, era Deputado Federal pelo Estado do Maranhão. Tinha pele clara, estatura média e cabelos levemente grisalhos.
-                   Prazer, Saulo. Natanael Pessoa.- Saulo observou que ele não tinha sotaque.
-                   O prazer é meu Sr. Deputado Natanael...- disse Saulo retribuindo a etiqueta.
-                   Ah, que isso!? - Natanael soltou uma leve gargalhada. - Me chame apenas pelo nome, afinal, eu também vim do povo. Quero que conheça minha amada esposa, Jordana.
     Natanael esticou  braço e por trás dele, sua linda esposa surgiu. Jordana era uma linda mulher de meia idade, pele clara, seios firmes e quadris modelados. Indiferente ela apenas apertou a mão de Saulo limitando-se a dizer apenas “prazer”.
    Aquele dia transcorrera muito bem e a beira da piscina comendo churrasco, Saulo, Luiz, e Natanael conversavam sobre o futuro de Saulo como integrante de sua equipe de seguranças. Enquanto isso, Jordana se encontrava dentro da mansão.
    Mais um mês se passara e Saulo finalmente começou a trabalhar como um dos seguranças de Natanael, seguindo ordens de Luiz, pois ele era o braço direito do Deputado.
    Saulo não se aguentou de curiosidade e voltou onde morava para saber como estava Karla. Porém, ficou muito decepcionado quando soube que Karla estava casada, e casada com ninguém menos que seu irmão Paulo, e o pior, quando ele foi na casa dela ao sair da prisão eles já estavam noivos!
    Saulo resolveu sumir de vez, mas a notícia da morte de seu pai fez com que ele tentasse uma reaproximação com seu irmão e decidiu comparecer ao velório. Ao chegar na porta do cemitério, foi recebido por Paulo que o tinha visto de longe:
-                   O que você faz aqui? - perguntou Paulo rispidamente
-                   Como assim? Vim velar meu pai.
-                   MEU pai não queria que você viesse ao enterro dele. Você foi uma vergonha para todos nós e ficaríamos muito gratos se não nos perturbasse com sua presença.
-                   Eu quero enterrar meu pai!
    Paulo mudou o tom de voz para um tom irônico e ameaçador:
-                   Ouça, Saulo, nossa vida seguiu muito bem sem você, me casei... É, me casei com a Karla, você sabia?
    Saulo já sabia, mas ouvir aquilo de seu irmão naquele tom de voz era doloroso demais. Paulo continuou a falar:
-                   Saí da PM e agora estou no BOPE, e sabe, eu posso usar minha influência para te tirar daqui...
     Pela primeira vez, Saulo quis arrebentar a cara de seu irmão, mas após repensar, resolveu ir embora. Ao entrar no carro e seguir em direção a sua casa, Saulo decidiu se dedicar ao seu emprego, que apesar do pouco tempo, estava começando a lhe render frutos.

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