O Guardião - A Saga de Uma Bruxa


Tólita Artigas
O Guardião - A Saga de Uma Bruxa




Capítulo I - A convocação

              O telefone celular de Edson Marques tocou uma música estridente, tirando-o da abstração em que se encontrava com um susto. Só então percebeu que já estava pedalando há mais de uma hora na bicicleta ergométrica. Parou o exercício, pegou a toalha que estava pendurada no guidão, enxugou o suor da cabeça e das orelhas e atendeu a chamada. A voz feminina, do outro lado, era suave, mas séria.
             — Senhor Edson, o massagista? — ela perguntou. — Preciso que o senhor venha urgente ao endereço que vou lhe dar — a voz continuou, após ele ter confirmado. — É uma emergência — reiterou.
             — Aguarde só um segundo — pediu, saltando da bicicleta.
             Correu até a escrivaninha, pegou uma caneta e escreveu o endereço no bloco de anotações.
             — Lá, o senhor deve procurar por Iório — a voz prosseguiu. — Ele o conduzirá até mim. E não perca tempo tomando banho. — O telefone desligou antes que ele tivesse tempo de falar qualquer coisa.
             — Outro cliente? — Rui Cintra perguntou, aproximando-se da escrivaninha. Rui era sócio na academia de musculação de Edson, que atendia fazendo massagens.

              Depois do falecimento do pai, George Marques, e já graduado em Educação Física, Edson recebeu uma proposta para trabalhar como preparador físico em um clube em Joinville, Santa Catarina. Casou-se com Tânia Helmut, que faleceu em um acidente automobilístico, três anos após o nascimento da filha Bárbara. Depois do casamento da filha com Gregory Morgenstern, voltou a São Paulo, atendendo ao convite do amigo e ex-colega da faculdade, Rui Cintra, com quem montou a academia de musculação, e fez o curso técnico de massagem.
            
             Informou ao sócio aonde ia e saiu andando rapidamente.
             O prédio, com 18 andares, ficava a três quarteirões da academia, próximo à Avenida Paulista, a região mais alta da cidade de São Paulo. O andar indicado era o 17º.
             Ele entrou no elevador depois de dez pessoas e apertou o botão de número 17.  Quando as portas estavam se fechando, alguém gritou “segura”, do lado de fora. Como estava próximo à porta, Edson colocou a mão no sensor magnético, interrompendo o movimento de fechar. Um anão barbudo, com aproximadamente um metro de altura e cara de ranzinza entrou, esbaforido.
             Em cada andar que o elevador parava, pessoas entravam e saíam. E, a cada um que apertava o botão do andar, o anão emburrado olhava o número. No 15º, a última pessoa saiu, só ficando o massagista e o anão. Quando a porta fechou, o anão o encarou.
             — Iório? — Edson perguntou.
             — O próprio — ele retrucou. — E você, é o guardião?
               Nesse instante, o elevador abriu a porta. Edson, mal saiu do elevador, estacou, assustado. O andar estava em obras e, por todo lado, havia materiais de construção. Puxou o papel onde anotara o endereço e conferiu: era o andar certo! À sua frente abria-se um espaço amplo, circundado por uma parede de vidro escuro, de onde se podia admirar a cidade, que se perdia no horizonte.
             — Guardião? Não, sou o massagista. Recebi uma ligação pedindo para vir até aqui onde deveria encontrá-lo, para que você me leve até o meu cliente.
             — O que eu sei é que tenho que levá-lo até a mestra, por isso, vamos embora e não me pergunte mais nada.
               Ele atravessou o salão em passos rápidos, desviando-se dos materiais de construção espalhados, até chegar à parede de vidro do lado oposto, seguido por Edson. Fez deslizar para o lado uma porta, na esquadria de alumínio, e deu um passo para fora.
               Assustado com a atitude do anão, Edson pulou em sua direção, agarrando-o pelo casaco. Deitado no chão de pedra, olhou estupefato para a paisagem que descortinava aos seus olhos, o maravilhoso mar cor de esmeralda e o céu azul, sem uma nuvem sequer. Encostado ao trapiche, um imenso cisne branco olhava-o, com ar de ternura. O longo pescoço curvou-se delicadamente, a cabeça e o bico negro azulado aproximando-se dele.
               — Aiedail! — o cisne falou. Sua voz era suave. — Como você cresceu!
               — O senhor quer fazer o favor de largar meu paletó? — o anão resmungou.
               — Raio de Luar! É você mesmo? Você também cresceu, e como! — Edson falou, alegremente. Largou o paletó do anão e ergueu-se. — Há quanto tempo não vejo você! Como tem passado?
               — Vamos subindo, vamos subindo, que não tenho tempo para ficar ouvindo papo furado — o anão ranzinza ordenou.

             Acomodaram-se na estranha, mas confortável, sela dupla, colocada em suas costas, entre a base do longo pescoço e as asas, o anão sentando-se na frente. A bela ave flutuou para longe do cais e abriu as imensas asas brancas, batendo-as com força, alçando voo.
            
             O massagista olhou para trás e viu o prédio desaparecendo numa neblina. Olhou para baixo e teve a impressão de ver a cidade no fundo daquele mar esmeralda, com peixes nadando por entre os edifícios. Logo essa impressão também se desvaneceu e tudo o que se via era céu azul, sol e mar.
             Pouco tempo depois de partirem, ele perguntou:
— Posso saber quem é sua mestra?
               —Guildemare — o anão retrucou, fechando-se num mutismo de pedra.
               — Por que não disse que era para a casa da madrinha? — Edson reclamou.
               O anão respondeu com um grunhido irritado.
              
               Edson sabia que a viagem duraria cerca de duas horas, portanto relaxou. Ele passou a infância entre São Paulo e o mundo da magia. De repente, sua mãe morre e ele deixa de ir para aquela terra maravilhosa. Suas lembranças dessa infância mágica esvaeceram-se de sua mente, eram como se fossem histórias que ouvia antes de dormir, contadas pelo pai, ou pela madrinha Guildemare. Mas eram lembranças tão reais, que parecia ainda ouvir as fadas e as bruxas dizendo “um dia você vai voltar, para resolver assuntos importantes”. Mesmo seu pai lhe falava isso, até seu falecimento quando ele já estava com 20 anos. Ele sempre dizia:
               — Filho, você tem uma missão importante. Fique alerta, pois esse dia chegará, mais cedo ou mais tarde.
               Ao ver o imenso cisne parado no ancoradouro, ouvir o nome de infância, Aiedail, o cofre das lembranças, há muito trancado e esquecido em algum lugar da memória, foi destrancado e aberto. “Aiedail”, palavra élfica que significa Estrela da Manhã. Era como os seus amigos do mundo da magia o chamavam, pois se levantava antes de todos, no castelo, e ficava perambulando pelos bosques, sozinho ou com os amigos habitantes madrugadores das matas, vendo o sol nascer. De repente, essas lembranças retornaram à sua mente, mais vivas que nunca...
              
               Admirou os bandos de aves que cruzavam com eles, as sombras dos cardumes de peixes que nadavam próximos à superfície. Muitas vezes, em sua infância, fizera aquela viagem, às vezes transportado por um cisne, outras vezes na vassoura que sua mãe, habilmente, dirigia. Raio de Luar, nome que Edson lhe dera por causa de sua brancura incrível, havia sido seu amigo de infância. Ele pertencia à espécie dos cisnes gigantes, aves geralmente brancas rajadas de preto ou castanho, que alcançavam até oito metros de altura. Dispunham-se a fazer serviços de transporte das pessoas por quem sentiam simpatia e em épocas de emergências, pois sua capacidade de permanecer longo tempo voando era de grande valia.  Na época, com mais de três metros de altura, Raio o colocava nas costas e saiam para passear, voando sobre as ilhas, as praias, os bosques da Cidade Encantada. Todas essas lembranças voltaram-lhe à mente durante a viagem.

                Depois de um bom tempo de voo, avistou, no horizonte, a silhueta das montanhas da Ilha da mestra. Mais meia hora de voo, até chegarem a terra. O sol poente tingia tudo de alaranjado, dando a sensação de que a construção que se aproximava era de ouro. Logo, a maravilhosa ave amerissou, chegando ao cais de pedra.
— É aqui que você desembarca — Iório comunicou.
             Edson desmontou, sentindo as pernas entorpecidas por ficarem muito tempo na mesma posição. Raio de Luar despediu-se do amigo, prometendo vir visitá-lo um dia. Em seguida, alçou voo, levando o anão.
            
              Uma centaura de pelagem castanha e cabeleira azul aproximou-se, trotando rapidamente.
— Venha! — chamou. — Não temos tempo a perder.
— Espere! — ele reclamou. — Estou com as pernas dormentes.
             Ela deu uma empinada rápida e saiu a galope. Edson tentou segui-la, mas as pernas não obedeceram ao comando. Mal ele deu dois passos e ela já estava voltando, trazendo pelos varões uma charrete.
             — Com isto você ficará mais confortável.
             Ele embarcou e ela, prendendo as correias de couro no que seria a cintura da parte humana do seu corpo, saiu a galope, puxando o veículo pelos tirantes. Por algum tempo seguiram a orla marítima, depois entraram numa estrada ladeada por pastos verdes. Alguns quilômetros à frente, a estrada cruzou um bosque. Em seguida, contornou a encosta de um morro gramado, onde havia outros centauros e um sátiro tocando uma delicada melodia numa flauta. Sem ao menos reduzir a velocidade, a centaura galopou pela estrada sinuosa, seus cascos mal tocando as pedras do pavimento. No cume estava o castelo que ele tinha avistado quando se aproximavam. Era uma construção baixa, de três andares, com paredes envidraçadas por toda volta. Devia ocupar perto de 2.000 m², e era toda cercada por jardins floridos, alamedas, árvores frutíferas e quiosques. A estrada terminava no portão de ferro enfeitado de volutas e espirais, tendo, ao centro, um enorme brasão que o massagista não conseguiu visualizar os detalhes.
              O barulho dos cascos da centaura ressoou no piso branco de mármore, quando ela entrou lentamente pelo portal ricamente trabalhado. Parou ao pé de uma escadaria e apontou para cima:
               — Lá você encontrará a Mestra Guildemare. Ela está a sua espera.
               Edson agradeceu a viagem e desceu do veículo.

               A escadaria, com dez degraus, terminava em um imenso vão aberto sob uma de estrutura de concreto com três andares e paredes externas de vidro.Quatro colunas sustentavam o prédio. No centro do vão havia uma coluna de vidro, com os elevadores e escadarias que davam acesso ao prédio. Lembrava o prédio do MASP, na Avenida Paulista, em São Paulo, mas com o dobro do tamanho. A portaria, na entrada da coluna de vidro, era vigiada por dois guardiões. Na mesa colocada na parte interna, uma recepcionista atendia as pessoas. Edson aproximou-se dela, mas antes que tivesse tempo de falar alguma coisa, a porta do elevador abriu e saiu uma mulher alta, loira, cabelos longos até a cintura, vestida com uma túnica branca cingida por uma corrente de ouro. Aparentava ter cerca de 30 anos e era muito bonita. Ela falou:
             — Queira me acompanhar, senhor Edson. A Mestra Guildemare está a sua espera.
             Ele a seguiu em silêncio. “Será que foi ela quem me telefonou?”, Edson pensou.  Entraram na espaçosa cabine do elevador. No painel com os botões dos três andares, ela apertou o botão do primeiro andar. Logo depois, a porta se abriu. Saíram numa ampla sala, com um balcão próximo a uma das paredes, onde alguns funcionários atendiam as pessoas que lá se encontravam. Cruzaram essa sala e penetraram num longo corredor, iluminado por uma suave luz branca, com portas ao longo das paredes. No fim havia uma porta dupla, que se abriu sozinha, quando chegaram perto.
            
             A sala ampla, de teto alto, bem iluminada pelo sol da tarde que atravessava a parede de vidro, estava ocupada por duas mesas grandes. Uma estava vazia. A outra, entre uma porção de objetos, tais como pedras, pequenos caldeirões, frascos coloridos, uma esfera enorme de cristal, um aparelho para destilação, tigelas com ervas, cadinhos e bacias, tinha um leitor em cima, com um livro grande e grosso aberto. Eles entraram e as portas fecharam-se. Uma mulher pequenina, talvez um metro e meio de altura, morena, com os cabelos lisos e negros cortados em franja sobre os olhos, consultava o livro, lendo-o em voz baixa. Às vezes, olhava para um grande espelho, colocado ao seu lado. Depois de alguns instantes, ela levantou os olhos.
             — Entre, entre, Edson! — falou sorridente. — Obrigada por atender ao nosso chamado tão prontamente.
             — Madrinha! — Edson gritou ao entrar. Correu para abraçá-la. — Oh, madrinha, que saudades!
               A mulher o abraçou ternamente, quando ele a envolveu em seus braços musculosos. Beijou suas faces diversas vezes, afastou um pouco o rosto para olhá-lo melhor, tornou a abraçá-lo. A emoção embargava sua voz.
               Edson a abraçava delicadamente, como se temesse quebrar aquele corpo miúdo e delicado. Acariciou os cabelos negros, beijou-os delicadamente.
               — Puxa, como estava com saudades! — falou. — Por que não me disse no telefone que era você?
               Ela afastou-se dele, suspirando. Seu semblante já não mostrava mais a alegria inicial, mas tristeza e preocupação.
                
               A moça loira aproximou-se com uma cadeira. Guildemare apresentou-a.
             — Ela é Luca, minha atual secretária e, quem sabe, futura preceptora de Ivone. Não se deixe enganar por sua aparência jovem. Ela tem 130 anos.
             — Sinto-me um bebê de fraldas — Edson brincou, ao sentar-se.
             — Você também será como nós — Luca falou.
               — Sua mãe teria sido uma grande bruxa, se tivesse sobrevivido ao ataque — Guildemare falou. — Toda a linhagem feminina da sua família é formada por bruxas, algumas desenvolvidas, outras, não. E você foi predestinado. Mais dia, menos dia, seria chamado para sua missão.
               — Mas, madrinha, não tenho aptidão para a bruxaria. Lembro que as outras crianças aprendiam a fazer mágicas, e eu não conseguia sequer fazer uma xícara andar...
               — Você tem, Edson, você tem, sim — ela suspirou. — Mas o Conselho sugeriu impedir seu desenvolvimento, por isso você pensa que não tem aptidão. Antes que você fale alguma coisa, vou explicar. A grande maga Helga descobriu que, na linhagem feminina da sua família, sua bisavó, avó, mãe, havia uma mulher predestinada a ser a grande mestra da bruxaria. Comunicou o fato ao Grande Conselho, que decidiu ficar observando quem seria. A descoberta foi feita na época da admissão da sua tataravó ao Círculo das Bruxas, em 1587, de acordo com os registros de Helga. Essa mulher seria a sua sucessora. Mas havia pessoas que estavam muito interessadas que isso não acontecesse. Há quase 2.000 anos não surge um mago para ser o grande mestre, e havia no Conselho uma pessoa que desejava o cargo, o mago Andreas. Neruma, então chefe do Conselho, enfrentou Andreas na grande batalha pelo cargo, em l780, e conseguiu bani-lo para a Dimensão do Castigo, o lugar para onde são mandados os transgressores. Nossas leis são muito rígidas no que diz respeito aos crimes cometidos por praticantes de bruxaria.
               Ela colocou a mão sobre o livro no leitor.
               — Encontrei, depois da Segunda Batalha, em 1960 — ela continuou, — alguns dos registros escritos em 1810 por Leonor, que sucedeu a Helga, que morreu na primeira grande batalha. Esses escritos referiam-se à linhagem da Grande Mestra. Ela calculou que a Grande Mestra nasceria na quinta ou sexta geração da mulher do povo que veio da Europa para o Brasil quando Napoleão tomou o poder na França, e essa seria a sua bisavó Paola, a genovesa. Paola recusou o título, não sabemos o motivo, o que transfere o cargo para uma próxima herdeira. Observamos, então, sua avó e sua mãe. Chegamos a imaginar que seria, não uma Mestra, mas um Mestre, e observamos você.
               — Por isso minha mãe me trazia aqui constantemente? — ele atalhou. — Lembro-me que ela dizia que eu viveria como nos contos de fadas dos livros, das histórias que ela e meu pai contavam...
               — Exatamente, meu rapaz. Você apresentava alto potencial para ser um bruxo e, se fosse bem orientado, ser um mago. Mas, voltando aos fatos, Andreas conseguiu fugir da Dimensão e atacou o castelo, em 1960...
               — Eu tinha dez anos...! — ele interrompeu. Ela ignorou a interrupção.
               — ...destruindo tudo, matando quem ousasse enfrentá-lo. Lembro-me muito bem, eu era a preceptora de Eillen, sua mãe. Ele pensou que seria ela ou você, quem seria nomeado. Foi horrível. O guardião da sua mãe acovardou-se. Escondeu-se atrás de uma mesa e ficou lá, quietinho. Só saiu quando tudo estava destruído... — ela fez uma pausa e suspirou tristemente. — Um guardião que fugiu do seu dever... Ele foi excluído das tropas de guardiões com desonra!
               — Madrinha, eu estou me lembrando dele e de tudo mais! Seu nome é Oleg, e não foi covarde. Atrás da mesa estava eu, aquela merreca de gente, com dez anos, apavorado com aquilo tudo, escondido em seus braços — ele abaixou a cabeça, as lágrimas marejando seus olhos. Depois de algum tempo, continuou — Oleg estava comigo, me ensinando magias de defesa. Estávamos no grande salão de magias, perto da minha mãe. Quando os soldados invadiram o salão de magias, ela gritou para que ele me protegesse. Ele virou a mesa, que ficou apoiada na parede, me arrastou lá para trás, mandou que eu ficasse calado e, com seu corpo, fez um escudo para mim... Quando saímos de lá, o corpo da guarda do Conselho estava em perseguição aos assassinos, e minha mãe ainda estava viva. Corri para ela. Oleg veio comigo, queria levá-la para o hospital, mas ela não quis. Só agradeceu a ele por ter me protegido e morreu. Pelos Deuses, estou me lembrando de tudo, exatamente como foi! De alguma forma, isso ficou esquecido dentro de mim...
               — Foi a magia do Grande Conselheiro que fez com que você esquecesse tudo isso, para sua segurança. Você era uma criança, se comentasse com alguém essas coisas, se chegasse aos ouvidos de Andreas, ele poderia vir atrás de você, matá-lo, quem sabe, o que interromperia a dinastia da Grande Mestra. O resultado seria desastroso... — ela fez uma pausa. Pegou uma taça na bandeja que Luca trouxera, despejou a água que estava na jarra e deu-a ao jovem, depois, serviu uma para si, bebendo todo o líquido.
               — O que aconteceu com Andreas, depois disso? — Edson perguntou.
               — Ele foi exilado, à revelia, pois não foi encontrado depois da batalha. Mas ficou fazendo suas estripulias por aí, fazendo jus ao seu epíteto de “Grande mau”. Mas nunca foi preso, sempre escapava antes da polícia do Conselho chegar — ela explicou. — Lendo as anotações de Leonor, descobri que a Grande Mestra sofreria um atentado... Quero que você veja isso — ela continuou, apontando para o espelho.


               De repente, a sala ficou às escuras e o espelho tornou-se como a tela de um gigantesco televisor. A imagem de um eclipse lunar surgiu, um delgado “C” brilhante e, logo em seguida, a de uma figura encapuzada e com uma capa esvoaçante voando numa vassoura. Edson reconheceu imediatamente a casa onde ela entrou: era a da sua filha Bárbara. No quarto da criança, ela simplesmente esticou o braço e Ivone foi arrancada do berço violentamente. A figura fez a volta e saiu pela janela voando com a pequena em seus braços. No céu, o “C” brilhante agora era invertido... Em seguida, a imagem sumiu e a sala clareou.
             — Isso é o que está escrito — Luca falou. — E as páginas seguintes estão em branco. Só o senhor poderá mudar os fatos.
             — Como ela pode prever isso? — Edson perguntou.
             — Helga tinha o conhecimento da viagem pelo tempo — foi a explicação sucinta que recebeu da madrinha.
             Edson sentiu-se desnorteado. A visão da sua adorada neta sendo raptada deixou-o perturbado.
             — Esse é o cretino que quer raptar a minha adorada netinha? — sua voz saiu gelada.
             — É Andreas, mas o chamo de “O Grande Mau” — Guildemare falou. — E só você pode derrotá-lo. Por favor, por amor à pequena Ivone, não permita que ele triunfe.
             Edson reabasteceu a taça com a água da jarra. Ao levá-la aos lábios e sentir o gosto da água fresca, percebeu como estava com a boca seca. Sorveu o líquido até o fim.
             — Essa imagem retrata o futuro, não é? Tem ideia de quando ocorrerá esse eclipse?
             — Ocorrerá em novembro, dia 26, às 23 horas e 4 minutos — Luca falou.
             — Ela terá quase três anos... Mas não tem nenhum guardião para protegê-la? Como a minha mãe tinha um, e outras bruxas que ouvi falar...
             — Cheguei a pensar em convocar um guardião, realmente — Guildemare explicou. — Há cerca de um ano, recebi uma carta de uma vidente amiga, informando que uma criança muito importante para a bruxaria estava para ser sequestrada durante um eclipse. Como já sabíamos qual era a linhagem de onde sairia a mestra, foi fácil descobrir quem era ela. Mas foram descobertos atos de espionagem dentro do Conselho pelo Serviço de Inteligência, a alta Cúpula decidiu preparar um guardião específico. Não queríamos nos arriscar colocando um estranho no caso. Por isso, a alta cúpula do Conselho decidiu que Neruma, seu padrinho, orientasse a sua vida, de forma que você já fosse sendo fisicamente preparado — ela deu sorrisinho cínico.
               — Quer dizer que vocês manipularam a minha vida? O que mais o Conselho decidiu por mim? — ele rosnou.
               — O Conselho não decidiu nada por você, apenas indicou os melhores caminhos. Quando você fazia alguma coisa que não era exatamente o que o Conselho tinha em mente, ele procurava criar alternativas. Mas as escolhas sempre foram suas. Só que, agora, o Conselho precisa que você colabore conosco, para proteger sua família.
               — Estou afastado da magia há quatro décadas — ele argumentou. — Como posso...? — principiou a perguntar.
             — Você está afastado da magia, mas não do desenvolvimento físico, o que é tão importante para o serviço que terá que executar — Guildemare atalhou. — Para isso você fez Educação Física. Será treinado por Daniel Lorenzo, o melhor treinador de guardiões que já existiu — completou. — Se quiser, poderá começar hoje mesmo.
             — Eu quero! Mas, primeiro, tenho que comunicar a minha ausência ao meu sócio. A academia é o meu sustento.
             — Quanto ao seu “sustento”, não se preocupe. A academia terá muitos alunos, senhor Guardião — Luca falou.
             Guildemare chamou o nome de Daniel no espelho. Surgiu uma biblioteca, com uma escrivaninha ao fundo. Um homem estava sentado atrás dela, lendo. Levantou os olhos para o espelho e sorriu. Em seguida, levantou-se e foi até o espelho. Edson pode perceber que ele era bastante musculoso e empertigado. A maga trocou algumas palavras com ele, depois chamou Edson para frente do espelho, fazendo as devidas apresentações. O guardião voltou para São Paulo já com a data marcada para ir para a fazenda do treinador.


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