Quebrando as correntes do destino



Joseane Bragança
Quebrando as correntes do destino



PRÓLOGO

Brasil. Século XIX. 1883

— Senhorita, Acorde! Senhorita, por obséquio! Desperte!
Anabele abriu os olhos, mas a imagem à sua frente ainda era distorcida. Quem era aquele homem? Por um momento estremeceu de medo. Depois o rosto do rapaz já estava mais focalizado e então ela suspirou aliviada. Era Carlos, o rapaz que conhecera no navio. Estava tudo bem.
— Perdão, Carlos. — Ela falou se ajeitando na poltrona. Já o chamava pelo primeiro nome fazia uns dias, desde que percebera o primeiro traço de intimidade entre eles, pediu para que agissem sem formalidades e ele aceitou, porém, nunca conseguiu dizer o nome dela sem o “senhorita” antes. — O que aconteceu?
— Deste-me um baita susto, senhorita Anabele. — Ele passou a mão na testa enxugando o suor e sorriu. — Creio que estava tendo um pesadelo.
Anabele olhou para ele. Apesar da barba, conseguia se ver um belo rosto. O nariz afilado, olhos gentis. Castanhos. Agora ela tinha quase certeza que eram castanhos, mas às vezes ao sol, pareciam verdes. Ele parecia mais velho com aquela barba, mas dissera ter 21 anos de idade. Era magro e alto. Havia se formado em direito em Coimbra e agora estava voltando à sua terra natal para se casar. Sua sortuda noiva o esperava em Salvador.
Anabele havia conhecido Carlos, um pouco antes de embarcar no segundo e último navio para o Brasil. Ele a tinha defendido de bêbados que a importunavam no porto. Ela estava desacompanhada e carregava uma mala média. Carlos e Anabele lancharam juntos e, tentando parecer uma criança inocente e indefesa, Anabele rapidamente tentou uma jogada. Pediu que Carlos a acompanhasse durante a viagem, que não só a acompanhasse, mas que ficasse em seu quarto. Assim, ela estaria livre de homens “malvados”.
Podia-se ver um brilho nos olhos de Carlos com a proposta, apesar dele ter ficado ligeiramente corado, respondeu: Seria uma honra, mademoiselle. E durante aqueles dias, Anabele confirmou o que já havia imaginado: Carlos foi extremamente respeitador e cavalheiro todo o tempo. Tratou-a como um verdadeiro gentleman deve tratar uma donzela. Ela sentiu-se uma criminosa por enganá-lo, porém o que mais poderia fazer? Com toda certeza ele nem a cumprimentaria se soubesse de toda a verdade. Nem ele nem ninguém jamais saberia. Ela levaria isso para o túmulo.
— Sonhos ruins. — Ela sorriu sem graça.
— Deve ser saudade de casa. — Ele se pegou olhando para o decote de Anabele onde um seio quase saltava conforme ela respirava.
Anabele nem se deu conta do olhar discreto de Carlos, olhava para a paisagem que já estava enjoada, pela janela, a imensidão do mar. Mas sabia o que causava nele. Ela sabia o que causava nos homens em geral e isso era apenas alguns dos fantasmas que a assombravam.
Capítulo 1

Tobias


“Salve-me, Tobias! Salve-me!”
— Sim! — Grito e num impulso, estou sentado em minha cama.
O suor escorre por todo meu corpo. Sinto-me exausto.
Passo a mão nos cabelos, que estão empapados de suor, e só então me dou conta do olhar incisivo de Rosa sobre mim.
— Aquele sonho novamente? — Pergunta-me mais com irritação do que preocupação.
Apenas concordo com a cabeça e me levanto da cama. Preciso de um banho gelado. Ela se ajeita na cama e não sei por que cobre sua nudez com a colcha. Eu já estou mais do que acostumado a vê-la nua e sinceramente já nem tem mais graça. Mas, Rosa é boa para mim, é uma negra linda e muito fogosa. As curvas de seu corpo beiram a perfeição. Eu gosto de desenhá-la às vezes.
Vou até o lado de fora de meu quarto e constato que faz frio. Por que então eu suava tanto? Bombeio a manivela ligada ao cano e logo a água jorra. Um sistema novo que um amigo do Comendador instalara, ideias do novo mundo, ele disse, mas que de fato funcionava. Com a água estupidamente gelada caindo sobre minha cabeça, deixo que meus pensamentos me levem às lembranças do sonho.
Quando garoto, a sinhazinha estava se afogando no lago e eu a salvei. Por instinto apertei seu peito repetidas vezes com toda minha força e soprei ar em seus pulmões, e por um milagre, ela suspirou e tossiu colocando toda a água que engolira para fora. Foi a sensação mais profunda de toda minha vida, eu era um molecote de 13 anos e ela uma criança de apenas 8 anos de idade. Enquanto eu respirava ofegante e aliviado ela sorriu para mim, a cor já voltando em sua face, e eu sorri de volta, não só com os lábios, meu coração sorriu para ela.
Por tempos depois eu sonhava sempre com essa cena, ela se afogando e eu a salvando só para ganhar aquele sorriso infante. Com o passar do tempo, o sonho passou a se misturar com outras cenas e já não era mais a pequena criança que se afogava. Era eu. Ultimamente os sonhos têm se repetido e em meio à água, chuva, agora os cenários são diversos, eu sinto que preciso me salvar e sei que estou me afogando sozinho. Porém, hoje… Hoje foi diferente. Alguém chamava meu nome e o instinto de salvá-la era maior do que salvar a mim mesmo. Mas quem seria? Não havia rosto, só voz. Uma voz de mulher.
Giro a manivela de volta e a água encerra. Tudo isso era loucura. Eu jamais poderia salvar sequer a mim mesmo, quanto mais outra pessoa. Eu não sou ninguém. Eu sou um escravo.


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